O ano é 1960. Os Estados Unidos vivem o auge da luta pelos direitos civis, na tentativa de por fim à segregação racial existente. O lugar, uma cidadezinha por nome Jackson, no estado de Mississipi, ao sul do país, onde o discurso presente que legitima a segregação é “separados, mas iguais’’. Já faziam 100 anos desde a abolição da escravatura, mas o cenário ainda era de opressão aos negros, principalmente nessa região do país. Para compreendermos melhor o contexto em se passa o filme “Histórias Cruzadas”, temos que viajar pela história.
Os Estados Unidos foram colonizado inicialmente pelos ingleses. No país, predominavam modelos diferentes no campo político, econômico e social. Nas colônias do norte, a pequena propriedade privada, o trabalho assalariado e o desenvolvimento da indústria era o modelo seguido. Já no sul, o trabalho escravo, os grandes proprietários de terra e a monocultura. Após a guerra civil entre norte e sul e uma grande luta pela conquista de direitos a todos, foi promulgada a lei de abolição da escravatura. Mas as coisas não mudariam da noite para o dia. Os estados do sul se juntaram e construíram leis que separavam negros e brancos no espaço público.
É nesse cenário de segregação racial que nasce Eugenia Skeeter, uma garota branca que sempre tivera os cuidados de sua babá, uma mulher negra chamada Constantine. Skeeter volta para sua cidade após formar-se em jornalismo. O único emprego que consegue então é o de colunista de dicas de dona de casa. Ela pede a ajuda de Aibileen, empregada doméstica e cuidadora de crianças. O objetivo de Skeeter, no entanto, não é dar dicas domésticas o resto da vida, e sua formação não era com o simples motivo de um futuro casamento. Ela tinha um pensamento à frente da sua época.
Skeeter quer escrever um livro com uma abordagem diferente da convencional. Ela quer mostrar o lado das empregadas domésticas, que criavam os filhos das mulheres brancas em meio a tantas dificuldades, e sem o devido reconhecimento. Enquanto seus filhos permaneciam sob o cuidado de outras pessoas ou sozinhos. Mas quem iria falar para uma jornalista branca tudo o que se passava? O medo da retaliação era grande, o que fez com que muitas mulheres mostrassem resistência.
Aibileen decide então falar tudo o que sofre como uma mulher negra. Minny, uma amiga que foi demitida por não suportar mais a opressão e humilhação causada pela patroa, conta também o que já viveu e sofreu na sociedade segregada e sem dignidade aos negros. Assim, várias mulheres fazem o mesmo: contam para skeeter suas histórias, para terem seus gritos de socorro atendidos. Além da esperança por dias melhores. O filme, dirigido por Tate Taylor, lançado em 2011 é inspirado no livro “a resposta” de Kathryn Stockett. Envolve o espectador e, com ações do dia a dia, mostra como ainda é bem presente essa realidade. Não só nos Estados Unidos como em diversos países que tiveram o regime escravista, como é o caso do Brasil. O nosso olhar é atraído para pessoas que vivem à margem da sociedade e nos faz um convite à reflexão sobre essas atitudes racistas que estão enraizadas no cotidiano.
Em Washington, um dos maiores revolucionários na busca pelos direitos dos negros, Martin Luther King, faz o aclamado discurso “eu tenho um sonho”. Ali, ele profere sua esperança em uma sociedade igualitária. Enquanto isso, no Estado do Mississipi, as empregadas domésticas que estão assistindo o discurso na TV dos patrões são expulsas da sala. O filme sai da esfera geral para o particular, para o íntimo. A luta pelos direitos é constante, mas os efeitos demoram um pouco mais a chegar até eles.
O longa foi um sucesso de vendas e aclamado pela crítica.
Conta com Viola Davis como Aibileen Clark, Emma Stone como Eugenia Skeeter, Octavia Spencer como Minny Jackson e Bryce Dallas Howard como Hilly Holbrook, em seu elenco principal. Histórias cruzadas foi indicado ao Oscar de melhor filme. Viola davis foi indicada ao prêmio de melhor atriz. Octavia Spencer recebeu o Oscar e o Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante. Sem o tom apelativo, as histórias que se cruzam deixam a mente inquieta. Principalmente por se parecer tanto com a sociedade atual. Não há como assistir a essa bela história e seguir indiferente. Somos instigados a desacomodar. E quer saber? Essa é a melhor atitude.
Fotos: reprodução.