Desde seu surgimento, em 1895, com os irmãos Lumière, o cinema vem a cada ano se modernizando e absorvendo as mudanças sociais e tecnológicas da sociedade, e sendo assim, não seria diferente no país que mais consome cinema no mundo, os Estados Unidos.
Entretanto, essa absorção de pautas sociais que o cinema faz por vezes se dá de maneira tardia, ou feita com o intuito de lucrar, algo não incomum sabendo que estamos introduzidos em uma sociedade capitalista. É o caso do “recente” empoderamento feminino e negro em longas hollywoodianos, sendo representados por Mulher-Maravilha (2017) e Pantera Negra (2018), respectivamente.
Para falar de Mulher-Maravilha é preciso entender a história da personagem, que foi criada em 1941 e que junto com Superman e Batman forma a trindade da DC Comics. Ao contrário de seus companheiros, só no último ano que a personagem recebeu uma adaptação para as telonas, antes havia apenas uma série de TV de 1975 baseada na famosa personagem dos quadrinhos. Diana Prince (Mulher-Maravilha) tem fortes ideais feministas e a produção de seu longa não poderia deixar de representar o mesmo.
Indo um pouco de contramão do esperado, a Warner decidiu colocar uma mulher para dirigir o filme, e Patty Jenkins foi a escolhida. E a escolha de Jenkins para a direção possibilitou a distribuidora fazer o marketing do filme em cima do ativismo, não só apenas em seu enredo, mas também em sua equipe. E talvez esse tenha sido um dos maiores acertos do filme, e o ponto central de discussão deste texto.
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Uma mulher dirigindo um filme sobre uma mulher poderosa, uma heroína, deu ao longa um olhar diferente em relação a outros filmes de ação do gênero, já que a personagem não teve seu corpo objetificado. Esse cuidado de não representar o corpo de Diana e da atriz (Gal Gadot) de maneira extremamente sexualizada só poderia ocorrer sob o olhar de uma mulher. Isso se comprova quando comparamos o filme da Mulher Maravilha, com outras personagens de filmes inspirados em HQs, como Arlequina (DC Comics) e Viúva Negra (Marvel Comics) que não possuem filmes solos. Os longas em que as personagens participam são dirigidos por homens e suas aparições em tela são marcadas por enquadramentos enfatizando suas curvas. Pouco de suas personalidades é mostrado e, quando ocorre, está sempre atrelada a sensualidade.
A importância da representação nos cinemas vai além do elenco, como também da equipe composta no filme, pois é ali que a diferença é feita. Do mesmo jeito que Patty Jenkins soube dirigir o filme dando um tom heroico e não sexualizado a famosa Mulher-Maravilha, Ryan Coogler, diretor negro americano conseguiu tratar das questões raciais em Pantera Negra (Marvel Comics) com maestria.
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Se o longa da DC já inovou em trazer uma
heroína, a superprodução da Marvel, Pantera Negra, chegou quebrando paradigmas raciais e também de gênero. O filme do super-herói de Wakanda, país ficcional da África, trouxe uma nova representação que não existia em filmes mainstream estadunidenses, a da população negra e mais especificamente, do continente africano. O filme baseado nas HQs de Stan Lee e Jack Kirby de 1966, é a primeira super-produção norte-americana escrita, dirigida e estrelada por equipe predominantemente negra, feito histórico para o cinema americano e mundial. Além disso, o filme é sucesso de crítica, somando nota 7,8 no site IMDb e 97% de aprovação no famoso Rotten Tomatoes. Não sendo só sucesso de crítica, o filme quebrou e ainda quebra diversos recordes mundiais, sendo a sétima maior bilheteria da história dos EUA, com U$$605 milhões arrecadados até a data da publicação e a quarta arrecadação mundial da Marvel Comics. Além de diversos outros recordes mundiais e dentro do seu país de origem.
O protagonismo negro presente em todo elenco do filme possibilitou um olhar sensível em questões raciais, que talvez não seria possível se o mesmo tivesse sido dirigido por pessoas brancas. Contemporâneo ao mesmo, temos o filme Corra (2017), do também diretor negro Jordan Peele, que também trata de questões raciais de maneira eficiente e assim como o longa da Marvel, serve como um serviço social. Embora a representação no cinema seja recente, a da TV do mesmo país está muito a frente, proporcionando trabalhos seriados focados direto ou indiretamente em pautas sociais. Seja falando sobre o ativismo de fato, ou apenas ele estando ali, programas de TV como Jessica Jones (Netflix), Supergirl (CW), How to Get Away With Murder (FREEFORM) e Big Little Lies (HBO) representam fielmente a procura por mudança na produção audiovisual.
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Sem grandes surpresas, essas mesmas séries têm em suas linhas de frente, mulheres na produção, seja como roteiristas, diretoras ou produtoras. A necessidade de representação na sociedade passa pelo audiovisual, como em outros setores, sendo assim, a mudança não é apenas feita com filmes tratando de feminismo, ou de racismo. Ela é feita colocando mulheres e negros a frente dessas grandes produções, dando possibilidade para os mesmos de dirigir e contar suas histórias, os colocando em papeis de poder. O sucesso comercial dessas obras, que move o capitalismo, prova que a sociedade precisa e está aberta para a diversidade, e mais importante que isso, elas querem a diversidade.
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