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Mesmo que o sol queime lá em cima, Violeta Parra nunca perderá a voz

“Quando nasceste foste batizada

Como Violeta Parra

O sacerdote levantou as uvas

Sobre tua vida e disse:

Parra és

E em vinho triste te converterás

Em vinho alegre, em peralta alegria,

Em barro popular, em cantochão,

Santa violeta, tu te converteste,

Em violão com lâminas que reluzem

Ao brilho da lua,

Em ameixa selvagem

Transformada,

Em povo verdadeiro"


É com os versos do poeta chileno Pablo Neruda, premiado com o Nobel de literatura, que começamos mais um Perdidos no Tempo. O quadro de hoje traz uma homenagem, justa e oportuna, aos 100 anos da cantora, compositora, poetisa e militante da cultura e das causas populares, Violeta Parra.

Se estivesse viva, Violeta faria 100 anos neste mês. A cantora é considerada a mãe da Música Popular Chilena e foi uma das vozes mais conhecidas das décadas de 50 e 60. Violeta foi uma das artistas que ajudaram a construir a cultura da América Latina, resistindo bravamente até seu último dia para que as origens de seu povo não fossem esquecidas.


Violeta Del Carmem Parra Sandoval nasceu no Chile. Filha de campesinos pobres, cresceu com 8 irmãos em uma realidade dolorosa, em meio ao desemprego e à miséria características de sua região naquele início de século. Violeta cresceu com os sons do Chile rural. Desde pequena, ouvia as canções tradicionais cantadas pela mãe ao som dos instrumentos do pai. Ainda criança, aprendeu a tocar violão e passou a compor suas primeiras canções. Dessa realidade nasceram suas letras líricas e engajadas, que a transformaram em uma referência mundial.


Durante a adolescência, Violeta se mudou para a capital chilena, Santiago. Largou os estudos e passou a tocar em bares e restaurantes da cidade. Junto com os irmãos formava o trio "Los Parra". Já em 1938, Violeta casou-se com Luis Cereceda, maquinista ferroviário e militante do Partido Comunista chileno. Com ele, teve dois filhos: Isabel e Ángel. Depois de se casar, Violeta passou a manter uma vida voltada para o lar, mas nunca deixou a música. Ela passou a compor durante as madrugadas.


O casamento com Luiz durou 10 anos, até que a música passou reclamar seu lugar na vida da artista. Violeta voltou para os palcos e passou a se apresentar novamente em bares, dessa vez sozinha. Com o crescente sucesso, o marido passou a pressioná-la para que se dedicasse apenas a ser dona de casa. A separação foi inevitável, acontecendo em 1948.

Violeta passou a rodar o Chile com uma companhia de teatro junto com os filhos. Em 1949, um ano após a separação, passou a pôr em prática seu projeto para registrar e catalogar a música popular chilena. Nestas viagens com o circo, Violeta unia a arte do canto e da dança com o trabalho voluntário de pesquisa e compilação do folclore. Seu interesse pelo folclore era motivado pelo contato direto com o povo campesino e com a sua riqueza cultural.


Violeta mergulhou fundo na história de seu país. Deixou de vez o repertório espanhol, mexicano e peruano comum na época e passou a cantar o Chile em sua totalidade. Conforme Violeta Parra ia colecionando e pesquisando a música folclórica do Chile nos seus mais variados ritmos e gêneros, percebia que a cultura tradicional estava desaparecendo por força de um processo de modernização.


Em 1953, Violeta gravou o primeiro disco. O trabalho rendeu grande sucesso. Músicas clássicas como ‘’Casamiento de Negros’’ vieram desta obra. Com o sucesso do disco, a Rádio Nacional Chilena a convidou para apresentar um programa. Pelo esforço no rádio e no resgate da cultura latina, ela recebeu o Prêmio Caupolicán, entregue aos maiores defensores do folclore andino. Na mesma época, participou de festivais culturais na Polônia, na Suíça, na Inglaterra e na União Soviética.


Com o reconhecimento de todo seu esforço, Violeta foi convidada em 1957 pela Universidade de Concepción, no sul do Chile, para continuar o seu trabalho de pesquisa, alojando-se na sede do Instituto de Arte. Criou, nesta mesma universidade, o icônico Museo Nacional Del Arte Folklórico chileno, inaugurado em janeiro de 1998.


Além da música, o talento de Violeta se estendia a outras artes. Ela bordava peças inspiradas no folclore chileno, além de trabalhar com cerâmica, escultura, e pintura. Se tornou a primeira mulher latino-americana a ter uma exposição individual no Museu francês do Louvre. Violeta teve mais 2 filhas de um segundo casamento, na década de 60. Sua quarta filha mais nova faleceu com apenas um mês de vida, devido a uma pneumonia. A menina faleceu enquanto a mãe fazia uma viagem à Europa. Violeta Parra nunca mais se recuperaria da dor de perder uma filha.


Após a morte da filha, ela se mudou para a Europa com família. Neste período, Violeta radicalizou e endureceu ainda mais a crítica social que trazia nas canções. Assim, inspirou o nascimento do movimento nova canção de onde surgiu nomes como Mercedes Soza,Victor Jara e seus próprios filhos já adultos, Isábel e Angél Parra, além de inspirar os brasileiros Caetano, Chico Buarque e Milton Nascimento.


Em 1965, Violeta regressou ao Chile com profundas marcas da vida e crises depressivas. Em 1967, Violeta se suicidou. Após sua morte, o Regime Militar chileno tentou esconder seu trabalho e trajetória ligada aos movimentos sociais e estudantis, e às lutas campesinas. Mas seu trabalho vive e mesmo depois de nos deixar, Violeta resiste. Em seu centenário, a cantora é lembrada como a grande mulher que foi. Mulher de temperamento forte, revolucionária, patriota, representante do povo e artista. Insubmissa e rebelde. Hoje, cem violetas desabrocham no ar.


Fotos: Reprodução

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