Já parou para pensar de onde vêm as roupas que vestimos? Muitas vezes, por trás da famosa etiqueta “Made in xxx” se esconde um processo de produção cruel que submete milhares de pessoas a regimes análogos à escravidão. Além disso, quase nunca há preocupação com os custos ambientais da confecção de peças de roupas em larga escala. Você sabia que para produzir apenas uma calça jeans são gastos onze mil litros de água? Felizmente, mesmo com a realidade extremamente consumista estimulada pelo capitalismo, alternativas para modalidades de compra mais conscientes conquistam e resistem em seus espaços. É assim o caso dos brechós.
Os brechós são, basicamente, estabelecimentos de compra e venda de produtos usados a preços acessíveis. Estudos realizados por antropólogos apontam a origem histórica dos brechós para a antiguidade quando, no México e outros países da América Central, ocorriam bazaresde artigos usados e manufaturas. No Brasil, o primeiro brechó nasceu no século XIX na cidade do Rio de Janeiro; um homem chamado Belchior possuía essa loja de objetos usados. Com o passar do tempo e mudanças linguísticas, do nome Belchior originou-se o termo brechó. De qualquer forma, atualmente, essa forma de comércio é praticada em inúmeros países pelo mundo afora e se tornou sinônimo de originalidade e consumo consciente para quem procura artigos de vestuário ou decoração de boa qualidade a preços inferiores aos encontrados em lojas de shopping, por exemplo.
Em Goiânia a situação não é diferente e espalhados principalmente pelo Centro da cidade, os brechós resistem. Taís Moreira, geóloga e empresária, é proprietária do “Empório Armário – Brechó & Suqueria” e responsável pelo “Encontro de Brechós de Goiânia”, que ocorre há dois anos e acaba de realizar sua 4ª edição. O programa Matéria-Prima foi conversar com Taís para descobrir um pouco mais sobre o mundo dos brechós, e é claro, também fazer umas comprinhas.
MP: Taís, de que maneira começa a história de criação do Empório Armário – Brechó & Suqueria?
Taís Moreira: Nasceu de uma demanda pessoal minha, da dificuldade de encontrar vestuário para mim mesma. Costumo viajar muito, pois sou geógrafa e meus pais moram no exterior então aproveito para fazer “garimpo”. Quis, então, proporcionar a outras pessoas possibilidades diversas de roupa de qualidade.
MP: Praticou o inverso também, vendendo roupas brasileiras lá fora?
Taís: Ainda não, mas tenho a pretensão de expandir nossa mercadoria de origem brasileira para o exterior. Nesse semestre temos projetos para fazer algum evento em São Francisco, na Califórnia (EUA).
MP: Como são escolhidas as peças expostas no Empório Armário?
Taís: Tudo passa pelo processo de curadoria. Algumas das peças adquirimos por meio de viagens por outros países e cidades. No mês que vem, por exemplo, irei para a Califórnia, farei um “garimpo” californiano. Dois meses atrás estive em São Paulo e também para adquirir mais objetos para venda. Temos uma parte de vendas voltada para produtos de outlet, na qual trazemos roupas de marcas como Animale, Cantão, Farm. São peças fora de coleção ou com pequenos defeitos. Assim que as consigo, faço um tratamento e coloco à venda. Outra parte importante de nosso acervo vem de consignação. Dispomos uma semana a cada bimestre ou trimestre dentro da qual as pessoas podem trazer seus artefatos e, em seguida, selecionamos para vender.
MP: Quais seriam as vantagens de produtos vendidos nos brechós em geral?
Taís: Primeiro é o custo ambiental e depois o preço a ser pago, que é bem menor. Chega a ser um terço do valor das lojas tradicionais.
MP: Conte-nos mais sobre esse beneficio ambiental.
Taís: Reduz tanto o custo ambiental como social. Você está comprando de um pequeno empreendedor, o que fomenta o comércio local. Ao mesmo tempo, contribui com o benefício ambiental quando o descarte do produto é evitado e ele é o reutilizado. Agrega-se valor a algo que supostamente seria perdido e descartado.
MP: Além do preço como atrativo, o que você diz sobre a qualidade das roupas?
Taís: Cada brechó tem um jeito de trabalhar e até mesmo acervos diferenciados. Tem aqueles especializados em vintage e alguns com peças mais populares ou de luxo. No meu caso em específico, a gente trabalha com focando na qualidade, nos tecidos utilizados – priorizando algodão e outros naturais.
MP: De onde veio a ideia de promover um encontro de brechós?
Taís: Eu venho de uma formação para outra área profissional, e quando entrei no segmento dos brechós, percebi que carecia de organização. Não há um regimento bem definido, não tem possibilidades de encontro entre os empresários desse setor de serviços e dessa forma veio à tona a vontade de realizar esse encontro.
MP: E qual é a periodicidade do Encontro de Brechós de Goiânia?
Taís: Ano passado fizemos três. E nesse ano, estamos realizando hoje (10/06) o primeiro. Não temos prazos estabelecidos. Quando não há previsão de chuva ou a possibilidade de qualquer outro imprevisto, nos esforçamos para tornar realizável, porque é bastante trabalhosa a montagem. Queremos fazer com mais frequência, porém ainda não há estrutura ou oportunidade financeira para aumentar o número de vezes.
MP: Os expositores do encontro são escolhidos de que forma?
Thaís Moreira: Abrimos um período de inscrição e os donos de brechó entram em contato. Já temos comunicação constante com alguns e os demais nos contatam e fechamos o acordo. Toda a divulgação tanto da seleção quanto do evento em si é feita através das nossas redes sociais.
MP: Futuramente, existem planos para trazer outras atrações, como grupos musicais, por exemplo?
Taís: Sim, se alcançarmos algum apoio, temos vontade que isso ocorra. Assim como a possibilidade de fechar a rua. Fizemos outro evento aqui em que oferecemos cinema e stands de gastronomia, conseguindo fechar essa quadra (49) da Rua 15. Só que isso demanda uma logística muito complexa e a falta de estrutura nos impede. Pensamos muitas vezes em trazer pessoas com outros direcionamentos de moda sustentável, oficinas e palestras.
MP: Sabemos que existe certo preconceito com os brechós. Tem aquela pergunta a qual adquiriu um sentido negativo “comprou em brechó?”, sempre inferiorizando a condição desses estabelecimentos. De que maneira você avalia isso nesses dias?
Taís: Eu tenho visto que o público está cada vez mais aberto. Roupas do mercado mais tradicional estão cada vez mais caras e o brechó é sempre uma alternativa incrível. Você adquire peças de qualidade, com custo ambiental reduzido. As pessoas têm então se alertado para isso. Ainda persiste sim o preconceito, mas vem aos poucos sendo desconstruído.
MP: O mercado dos brechós sentiu os efeitos da crise econômica do Brasil?
Taís: Não estamos dentro do grande mercado que foi diretamente afetado. Nosso nicho é bem pequeno e criamos muitas alternativas para driblar as dificuldades então eu não sei dizer em relação à situação dos brechós como um todo. Minha loja, em particular, anda crescendo, ela é nova, tem cinco anos de existência então não tenho como analisar resultados ainda.
MP: Quais dicas você dá para quem quer tornar-se consumidor desse mercado alternativo?
Thaís Moreira:Estejam abertos a uma nova experiência, eu diria até a um novo conhecimento. É uma forma de comprar produtos de qualidade, interessantes e ter também a oportunidade de vender as próprias roupas. Você dá uma nova utilidade ao “guarda-roupa”.
Confira algumas fotos do 4º Encontro de Brechós de Goiânia: