Minha mãe costuma dizer que a oportunidade é “um cavalo selado que passa apenas uma vez”. E se para mudar um pouco a história, for outro meio de transporte, um trem? Esse é o caso retratado neste texto, o qual vale muito a pena rebobinar três vezes, porque se trata de uma trilogia.
Muito antes do encontro protagonizado por Angelina Jolie e Johnny Depp em “O Turista”, um norte-americano e uma francesa se encontram nas idas e vindas da vida. No romance Antes do Amanhecer, Jesse, vivido por Ethan Hawke de “Boyhood – Da Infância à Juventude”, e Celine, Julie Delpy de “2 Dias em Paris”, se tornam o “acaso” um do outro no trem que levava à Viena, na Itália. Sim, é mais um daqueles filmes no estilo ironias do amor que nos levam a questionar se o destino está traçado ou o construímos. O casal principal decide assumir um papel ativo nessa jornada da qual nunca sabemos os resultados. Jesse convidou Celine para descer em Viena, mesmo sabendo que cada um teria de chegar a destinos opostos.
Você estaria disposto a sacrificar seu tempo para descobrir se isso se tornaria um investimento pessoal? Celine resolveu confiar no rapaz que, com tão agradável conversa, ganhou a atenção dela. Esse doce encontro, no entanto, tinha um prazo limite, já que no amanhecer seguinte a ida da moça para Paris e de Jesse para os Estados Unidos, não poderia ser mais adiada.
Entendeu o porquê do título ser esse? Os jovens apaixonados têm desde o desembarque do trem até antes de amanhecer do próximo dia para curtirem o momento. Depois disso, só mesmo acreditar no fator destino. Eles acharam que valia a pena, e o resultado disso são três filmes e 18 anos somados entre as produções.
Antes do Amanhecer conquistou o Urso de Prata em Berlim; mais que esperado depois de deixar o público a se questionar e antecipar um futuro para o casal. Richard Linklater, diretor e roteirista, termina a obra com promessas entre os jovens de se encontrarem depois de seis meses.
Questionamos se os dois tem realmente uma chance de fazer o relacionamento evoluir, pois têm personalidades totalmente opostas. Ainda assim, conseguem fazer a conversa fluir. Ocorre uma desconstrução da velha opinião sobre pessoas de diferentes posicionamentos não facilitarem um debate civilizado. Grande parte do filme é formada por esse diálogo que a cada minuto se passa em uma paisagem europeia diferente. Longe de ficar desinteressante, a conversa instiga o público a duvidar constantemente se existe mesmo harmonia entre Celine e Jesse. Ficamos então reféns dessa explosiva combinação.
E na expectativa de um reencontro, acabamos procurando pelo segundo filme. Antes do Pôr do Sol dá um salto no tempo para nove anos depois do primeiro encontro. Jesse e Celine, respectivamente se tornam um escritor e uma trabalhadora de uma ONG protetora ambiental. Após o primeiro filme ter demonstrado a importância de tomar passos para tentar guiar o destino, agora o fator sorte está no comando. Jesse vai a Paris para promover um novo livro que é baseado na paixão juvenil por Celine. Ambos estão desiludidos com a maturidade e vivem outros relacionamentos familiares. A francesa namora um fotojornalista e o norte-americano é casado e tem um filho.
A moça francesa leu o livro que tanto se parecia com a história da aventura amorosa que ela viveu. O estranhamento e interesse causados por tanta semelhança a levaram para a sessão de autógrafos com o autor, na qual reencontra Jesse. Novamente, o relógio não está a favor deles. Jesse conta com apenas uma hora para botar em dia tantos anos de novidades. O pouco tempo, porém, não impede o desenrolar de novas conversas. Os temas abordados são diversos, falam sobre os acontecimentos do passado e como contribuíram para o amadurecimento de cada um. O que é o amadurecimento se não refletir sobre o mundo? O que Celine provou muito bem fazer: “o que significa o homem certo? O amor da sua vida? Esse conceito é absurdo, a ideia de que só podemos ser completos com outra pessoa é má!”.
Os atores assumiram o papel de forma tão profunda que nesse segundo longa, participam como co-escritores do roteiro. E foi só sucesso, porque o longa foi indicado pela Academia como Melhor Roteiro Adaptado. Além disso, Julie Delpy, a Celine, canta três músicas da trilha sonora. E como se tudo isso não fosse garantia de brilhantismo, acrescento que essa sequência cinematográfica foi indicada a sete premiações e conseguiram vencer duas delas. Julie levou o Empire Award e o The San Francisco Film Critics Circle (SFFCC) Award de Melhor Atriz.
Incrível pensar que Linklater, de início, não queria prosseguir com uma continuação para Antes do Amanhecer. O primeiro filme teve uma bilheteria baixa e por isso não justificava uma sequência. O que o fez mudar de ideia? A insistência de fãs que pediam para saber sobre o desfecho amoroso dos protagonistas. Por conta disso, levou nove anos para que a continuidade do longa ocorresse. Isso mesmo, exatamente o tempo em que Jesse e Celine não se viam. As coincidências não param por aí, o tempo de filmagem ocorre no mesmo período e duração retratados no filme. Em consequência, acontecimentos espontâneos como um galho caindo na frente do ator Ethan Hawke foram incluídos.
Ainda mais surpreendente é que o filme contou com apenas três semanas de ensaios e duas de filmagem. O cenário escolhido dessa vez são pontos bem conhecidos pelos parisienses. No site Viajante Solo, você pode conferir os lugares que serviram de plano de fundo para o bate-papo nostálgico dos dois sobre o passado.
Outra curiosidade que torna o filme ainda mais realista são os pais de Julie fazerem uma participação especial. O próprio diretor e roteirista do filme também abre mão do anonimato dos bastidores para uma rápida participação na obra-prima dele.
No decorrer de Antes do Pôr do Sol, o telespectador vai eliminando a curiosidade, eu diria até angústia. Durante as prosas entre Jesse e Celine, é explicada a razão porque o encontro previsto para seis meses, nunca chegou a ocorrer. No meio da diversão e até mesmo de um pouco de música, Celine diz para Jesse: “Você vai perder esse avião, baby”. Ele conclui com duas palavra: “eu sei”, as quais valeram mais que um grande texto.
Celine, no decorrer do segundo filme, cita uma frase de Einstein que causou a ela impacto positivo: “Se você não acredita em nenhum tipo de mágica ou mistério, é como estar morto”. E para aqueles que viviam em certa parte pela crença de que o casal formaria uma família, voilá, o roteirista atendeu às preces.
Percebe-se no total dos filmes o quanto Linklater adora focar em abordagens realistas de um relacionamento. Primeiro temos a empolgação do amor juvenil, depois a desilusão de perceber que ele às vezes só permanece nas memórias e agora a instituição do casamento é mostrada em várias faces, até mesmo as ruins. O cenário no terceiro filme é a Grécia, um país com monumentos que sobreviveram aos efeitos do tempo, como a relação de Jesse e Celine. Eles dialogam até o final de um dia. Dessa vez, o prazo é contado pelo tempo de ausência das filhas do casal.
E para quem assistiu com aquele desejo nada anormal de que isso ocorresse com você, pasme! O roteiro tão criativo foi baseado em um encontro do diretor, Linklater, com uma desconhecida. Ele, texano como Jesse, conheceu Amy na Filadélfia e mantiveram um relacionamento à distância por um tempo. Antes do lançamento do filme, porém, Amy faleceu.
Será que te convenci a comprar a pipoca e correr pra ver ou rever?