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Nina Simone: liberdade em sintonias de luta

Te convido a fazer uma viagem no tempo comigo. Vamos para 21 de fevereiro de 1933, na cidade de Tryon, Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Nesse dia e nessa cidade nascia uma menina: Eunice Kathleen Waymon. Conhecida futuramente como Nina Simone. Aos três anos, Eunice deu a primeira mostra de seu talento prodígio para a musicista quando tocou suas primeiras notas no piano. Esse talento foi incentivado pelos seus pais, que eram pertencentes a uma igreja metodista, onde ela passaria a tocar anos mais tarde.


Desde as primeiras notas no piano, Eunice sonhou com a carreira pioneira como pianista clássica afro-americana. Em seu primeiro recital, aos onze anos de idade, solicitou que seus pais fossem relocados das últimas fileiras da plateia para perto do palco. Esse relocamento foi pontual, uma vez que não tocaria se eles não estivessem em seu campo de visão. Tal atitude contrariou os costumes racistas da época em que aos negros eram destinados somente os lugares dos fundos.


Aos 17 anos, ela tentou ingressar no Curtis Institute of Music, que é um conservatório de música clássica, e assim realizar o seu sonho de menina. Mas ela não foi aceita, e ninguém tirou da cabeça dela que a rejeição aconteceu por ela ser uma mulher negra. Mesmo assim, isso não impediu Eunice de viver fazendo a música que tanto amava. Aos 20 anos, adotou o nome artístico, que também se tornou seu nome de guerra, Nina Simone. Ela escolheu esse nome para que pudesse cantar blues em bares, escondida de seus pais.


Em 1957, aos vinte e quatro anos de idade, Nina chamou a atenção da indústria musical depois de enviar uma demo com músicas gravadas durante suas apresentações na Pensilvânia. Em sua carreira, interpretou canções de diversos estilos, indo do gospel ao soul e também compondo algumas canções. Nina foi uma das primeiras artistas negras a ingressar na renomada escola de música de Juilliard em Nova Iorque.


Além de uma grande artista, Nina Simone também é símbolo de ativismo. O sucesso da cantora crescia em compasso com os conflitos sociais, sendo o massacre de 1963 um dos mais marcantes - quando quatro crianças negras foram mortas em um atentado racista numa igreja da cidade de Birmingham, no Alabama, Estados Unidos. Logo depois do assassinato do ativista Medgar Ever no Mississippi, e em meio a essa barbárie em que vivia, Nina Simone usou da música como uma ferramenta de resistência e de luta.


E em sintonia com esses acontecimentos, a cantora mudou de distribuidora fonográfica. O que também significou mudanças no conteúdo de suas gravações. Simone passou a incluir cada vez mais canções que remetiam a sua origem afro-americana e aos direitos civis.


Nina seguiu mergulhada em um momento considerado decisivo para a comunidade negra e continuou dedicando toda a sua produção musical para o assunto. Ela apresentou-se e discursou em muitos encontros pelos direitos civis, incluindo nas marchas de Selma à Montgomery. Durante esse período, Simone defendeu uma revolução violenta, contrastando com a abordagem não violenta de Martin Luther King, e acreditava que os afro-americanos poderiam, por meio do combate armado, formar um estado separado. Por fim, em sua biografia, escreveu que ela e sua família viam todas as raças como iguais.


Fora dos palcos a vida dela não era menos turbulenta. A cantora viveu o período entre guerras. O lar, que deveria ser alento, também se tornou um campo de batalha. Casada com um policial, Nina chegou a ser espancada pelo marido. Como ser humano de alma profunda, Nina Simone teve, como sequelas, problemas com paranoias e alucinações. Durante sua trajetória, Nina viu algumas de suas referências e companheiros de luta contra o racismo e as desigualdades morrerem. Após ser exposta à violência de perder companheiros, surgiram essas alucinações, como fruto do medo de ser assassinada. Nina, teve seus momentos de infelicidade e insatisfação com a própria carreira. Questionou o jazz, queria ser reconhecida pela música clássica negra e não aceitou ser marginalizada. Além da sua genialidade musical, foi um ser humano completo. Quando o artista expõe sua obra, sua vida, sua alma (como ela fez), as opiniões podem ser construídas de formas variadas e convenientes a quem lê. Nina viveu no ápice das manifestações e ações racistas norte americanas, usou sua voz contra o racismo e muitos críticos, por conveniência e até mesmo como tentativa de desqualificar suas reivindicações, interpretaram isso como raiva e loucura.


Mas ela se definiu como inteligência, como um modo de mostrar aos brancos que não estava passiva diante dos fatos. Há quem chorou com ela, há quem chorou por ela. Há ainda quem chora ao ver seus vídeos e ao ouvi-la cantar e tocar com tanta dor, verdade e convicção. O amor, a escravidão, o ser mulher, a resistência, a persistência: tudo isso cantando por uma voz profunda. Seja compondo ou interpretando, Nina fala sobre a verdade. A sua verdade. E não há nada mais bonito do que isso.



Pouquíssimos tiveram, ou têm, a capacidade que Nina Simone teve de levar-nos ao seu mundo, de nos fazer viver e sofrer com ela. Sua linda e poderosa voz se calou em 2003, mas seu espírito e seu charme permanecerão vivos dentro de sua obra. Para quem tem o privilégio de compartilhar um mundo de sorrisos e lágrimas com ela, basta ouvi-la.


Foto: reprodução.

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