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A luta de estudantes da UFG em defesa das mulheres

Agitando chocalhos, tocando latas como se fossem sinos, erguendo faixas em TNT e cartazes em cartolina, e repetindo palavras de ordem, elas vinham pela calçada da Alameda Palmeiras, no Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás. Logo passavam pelas proximidades do Centro de Aulas Aroeira (CAA) e da Faculdade de Letras (FL), e se dirigiam ao pátio das faculdades de História (FH), Filosofia (FAFIL) e Informação e Comunicação (FIC), o conhecido Pátio das Humanas. Aos gritos, reivindicavam: “Lugar de estuprador não é na academia. Leva ele logo é pra delegacia”.


Eram por volta das 10 horas e 20 minutos do dia 17 de maio. Alguns estudantes, em horários de janela, lanchavam, conversavam no pátio, descansavam da rotina de aulas e provas, e dirigiram sua atenção ao grupo de manifestantes.


Por meio de um jogral, elas informaram a causa de seu protesto e o que com ele pretendiam. Em 08 de abril, uma estudante de veterinária da Regional da UFG em Jataí havia denunciado ter sido estuprada por um professor, meses antes, quando estavam em Goiânia para participar de um congresso. A vítima havia demorado a denunciar, pois sentia medo e havia precisado de orientação psicológica.


Quando a situação veio à tona, outras estudantes de veterinária da Regional Jataí passaram a sentir medo de conviver com o agressor, com quem tinham aulas frequentes. A vítima se sentia constrangida e pressionada, e com a divulgação do caso por meio de redes sociais, estudantes da Regional Goiânia se solidarizaram com ela. Agora, se dirigiam à Reitoria da instituição para cobrar o afastamento do agressor, que embora estivesse sendo investigado, continuava em contato constante com a vítima.


“Se cuida, se cuida seu machista. A Universidade vai ser toda feminista”, entoavam as manifestantes. A massa de pessoas crescia à medida que avançava pelo campus, quando, a cada novo bloco de prédios de aulas, era feita uma pausa a fim de esclarecer o motivo da reivindicação. Embora mulheres fossem a maioria, o protesto também incluía homens, que se solidarizavam com a situação.


Retomada de luta

A manifestação remetia a um protesto anterior, realizado no ano passado, após a divulgação de um boato segundo o qual haveria acontecido um estupro no Campus Samambaia. Em 15 de junho de 2016, estudantes haviam se mobilizado em massa e se dirigido à Reitoria da UFG, que foi ocupada por manifestantes durante aproximadamente duas semanas. Embora mais tarde a investigação policial em torno do caso tivesse revelado que o boato do estupro era falso (boato falso soa redundante.


Melhor trocar por notícia era falsa ou que a notícia era boato), a manifestação reunia uma série de pautas legítimas: as estudantes tinham medo. Relatavam ter sido assediadas sexualmente por professores e colegas; sentiam medo de andar sozinhas pelo campus, mesmo durante o dia; temiam os assaltos frequentes nas dependências da universidade, e reclamavam da falta de ação da guarda do campus em prol da proteção de estudantes.


Na época, a ocupação teve repercussão da mídia e a Reitoria se comprometeu a realizar uma série de medidas para atender às reivindicações do grupo. Quase um ano depois, porém, um novo protesto demonstra a realidade frágil vivida pela comunidade da UFG: os estudantes não consideravam que todas as medidas de onze meses antes tivessem sido cumpridas. E as estudantes, em particular, ainda temiam pela própria segurança. Além disso, a conscientização promovida pela instituição para combate ao sexismo não havia sido capaz de impedir um caso verdadeiro de violência sexual.


Por volta das 10 horas e 50 minutos, a manifestação havia chegado ao prédio da Reitoria. A massa de estudantes, sem interromper os gritos de ordem, avançava pela escada, em direção ao gabinete do Reitor. Entre palmas e gritos, defendiam a mesma causa: que mulheres pudessem ocupar espaço na Universidade sem que fossem desrespeitadas ou agredidas.

Em entrevista ao Programa Matéria Prima, três estudantes que participaram da organização do protesto afirmam acreditar que a manifestação do ano anterior tenha tido efeito positivo na mobilização de estudantes em defesa das mulheres. “A ocupação da Reitoria trouxe um coletivo pra essas mulheres que estão na causa lutando.”, afirmam.


Segundo elas, o ato vinha sendo planejado desde a semana anterior, mas que a iniciativa não partia da comunidade de Goiânia: “Esse ato partiu das ‘minas’ de Jataí. Elas pediram apoio e a gente achou que devia fazer isso”. As manifestantes reforçam a justificativa de que não se trata de um caso isolado, e de que as vítimas são negligenciadas ao cobrar uma solução: “Geralmente esses casos são arquivados, ou o mais absurdo ainda: colocam a vítima e o professor abusador pra ter uma conversa”.


“Professores que eu conheço que tiveram essa acusação não foram afastados até hoje”, afirma a jovem. “A gente quer que isso mude a partir desse caso”, explica.


Medo

Segundo as organizadoras, que mantém contato com estudantes de Jataí que também se manifestaram em sua regional, a vítima tem sido submetida a contato constante com o agressor. “O orientador continua dando aula normalmente na faculdade.” Embora a vítima não esteja tendo aulas com o agressor,o espaço físico da instituição faz com que o veja com frequência“Ela continua vendo ele pelos corredores da universidade”, afirmam.


Outras estudantes de Jataí passaram a temer o professor, após saber da denúncia da colega. “Outras alunas também estão intimidadas, estão com medo.”. A revolta das estudantes é exprimida em um dos cartazes que são exibidos em frente à porta do Gabinete do Reitor, com o questionamento: “Como assistir aula de um estuprador?”. As manifestantes exigem que ele seja afastado. “Mesmo com o processo não tendo terminado, ele precisa ser afastado, pois está intimidando as alunas e principalmente a vítima.”


Negligência

Casos de assédio sexual e estupros tendem a ser abafados por instituições de ensino, que muitas vezes adotam uma conduta de culpabilização da vítima. Uma reportagem da Revista Galileu, de fevereiro de 2016, traz casos parecidos. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Avon, 46% dos estudantes de ambos os sexos entrevistados conhecem casos de alunas que sofreram violência sexual em festas, competições, trotes e nas dependências da universidade. Outro dado da pesquisa revela que 28% das mulheres foram vítimas desse tipo de violência, das quais 11% sofreram tentativa de abuso quando estavam sob o efeito de álcool.


Em fevereiro deste ano, o estudante de Medicina da USP Daniel Tarcisio da Silva Cardoso, foi absolvido pela justiça de São Paulo pela acusação de estupro de uma estudante de Enfermagem, também da USP. Ele também é acusado de mais seis estupros e já foi julgado pelo assassinato. Inocentado de uma das acusações e com o curso concluído, ele pode se tornar médico.


Empecilho burocrático

“Se posiciona, UFG”, gritavam os manifestantes, desde a Escola de Veterinária e Zootecnia, onde o protesto havia começado. A mesma cobrança havia sido feita onze meses antes, e era motivada pela falta de respostas efetivas por parte da instituição, em casos anteriores “Geralmente esses processos não dão em nada. A ouvidoria costuma arquivar as denúncias, isso é absurdo.”, afirmam.


O Reitor da Universidade Federal de Goiás, Orlando Amaral, recebeu os manifestantes na sala de reuniões de seu gabinete, onde foram apresentadas as principais reivindicações do protesto. “A gente quer cobrar da Reitoria um posicionamento do tipo ‘A gente não aceita nem que seja uma denúncia, nem que seja uma suspeita de estupro’”.


Entretanto, as cobranças enfrentam uma dificuldade burocrática. O reitor da UFG reconhece a legitimidade das reivindicações, porém não tem poder para afastar um professor da instituição, sem que haja provas concretas das acusações. A orientação era de que a vítima e as demais estudantes de Jataí que têm contato com o professor acusado deveriam encaminhar um documento à Ouvidoria da UFG, relatando o constrangimento a que são submetidas. A partir daí, a queixa deveria ser analisada pela instituição.


Imagens: Lethycia Dias


Fontes:

http://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2016/02/rompendo-o-silencio-vitimas-de-violencia-nas-universidades-brasileiras-contam-suas-experiencias.html

http://ponte.cartacapital.com.br/justica-de-sp-absolve-estudante-de-medicina-da-usp-acusado-de-estupro/ http://programamateriapri.wixsite.com/materiaprima/single-post/2017/05/15/A-linha-t%C3%AAnue-entre-cantada-e-ass%C3%A9dio-que-n%C3%A3o-deve-se-cruzar

https://www.ufg.br/up/1/o/Resposta_Pauta_Ocupa%C3%A7%C3%A3o_Reitoria_22_06_2016.pdf

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