As constantes cirurgias plásticas de Michael Jackson sempre foram fonte de notícias polêmicas e até mesmo chacotas. Mas pouco se falou sobre o que estava por trás dessas atitudes frequentes de mudança facial que são parte tão característica do cantor quanto suas coreografias e suas habilidades vocais. O rei do pop, muito provavelmente, sofreu de um transtorno de imagem chamado dismorfofobia.
Mas o que é de fato a dismorfofobia? Por ser uma doença pouco conhecida, as pessoas associam o transtorno com vaidade excessiva. Segundo o site AbcMed, o transtorno dismórfico corporal (TDC), síndrome da distorção da imagem ou simplesmente dismorfofobia é uma preocupação obsessiva com algum defeito corporal suposto ou de mínima realidade, que afeta a aparência física.
Em entrevista à Veja, o psiquiatra Eduardo Aratangy, do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, explica que o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é caracterizado por uma preocupação excessiva com a própria aparência e por uma tendência de enxergar uma pequena imperfeição de modo exagerado ou mesmo imaginar ter um defeito que não existe.
Ainda que um tema pouco estudado, a professora de psicologia da Universidade Veiga de Almeida (UVA) em entrevista ao jornal O tempo, no Rio de Janeiro, Joana de Vilhena Novaes – organizadora do livro “Que Corpo É Este que Anda Sempre Comigo?” –, revela que o Transtorno Dismórfico Corporal vem crescendo nos últimos anos e é um distúrbio predominantemente feminino.
A patologia, segundo Arantangy em entrevista à página transtornodaimagemdistorcida, atinge 0,5% da população geral. A incidência é maior nas mulheres e em pessoas com idades entre 20 e 25 anos. Entre as pessoas que procuram dermatologista, 15% apresentam dismorfia corporal, já os que recorrem aos cirurgiões plásticos, a recorrência é de 16%. As causas do transtorno dismórfico corporal são bastante discutíveis. Há duas teorias diferentes: uma biológica e outra psicológica.
A teoria biológica sugere que exista um aspecto genético e que o distúrbio se acompanhada de um desequilíbrio da serotonina ou de outros neurotransmissores no cérebro. Há também relato de casos que tiveram início pós-encefalite ou pós-meningite. A explicação psicológica aponta para baixa autoestima; deficiência de carinho e aprovação na infância, que ocasiona uma autocrítica destrutiva e a sentimentos de abandono.
Os adolescentes podem ter medo de ficar sozinhos e isolados por toda sua vida ou acreditar que serão inúteis se não conseguirem corrigir aspectos da sua aparência. Eles desejam uma perfeição ideal em sua aparência, o que é impossível. Uma vez que a doença tenha se desenvolvido, ela é mantida pela excessiva atenção que a pessoa dedica a um comportamento autocentrado, como verificar o “defeito” percebido e fazer comparações com outras pessoas.
O que acontece no cérebro?
O portal R7 trouxe uma pesquisa feita pela Universidade da Califórnia para analisar com o transtorno se reflete. Catorze pacientes tiveram seus cérebros monitorados com o uso de técnicas de ressonância magnética. Os voluntários do estudo ficaram vendo fotos diferentes de casas: algumas com detalhes muito específicas, como as telhas que formam o telhado, e outras eram bem básicas e mostravam apenas a silhueta geral da residência ou portas e janelas pouco detalhadas.
Foi detectado que as pessoas com o transtorno apresentam uma atividade cerebral anormal ao olhar as fotos das casas pouco detalhadas – a região do cérebro que processa elementos visuais trabalha de modo menos ativo. Essa atividade era menor nas pessoas que apresentavam mais sintomas do problema.
Jamie Feusner, autor do estudo, diz que a descoberta é um passo importante para que se possa desenvolver tratamentos contra o problema e os médicos consigam fazer com que as pessoas tenham uma percepção mais correta sobre si mesmas. “Mas nós ainda não descobrimos se esse processamento cerebral anormal é uma causa para o aparecimento do transtorno ou se isso é um efeito do problema. É o fenômeno do ovo e da galinha.”
Fique alerta
Dados do portal AbcMed diz que a forma mais frequente de transtorno dismórfico corporal é referente ao peso corporal. As pessoas com peso adequado para sua altura e faixa etária tendem a considerar-se acima do peso e se submetem a regimes inadequados, uso de medicamentos, vômitos forçados e exercícios físicos em excesso, gerando uma espécie de anorexia mental.
Muitas vezes a dismorfofobia alegada consiste em emprestar exagerada importância a marcas mínimas e praticamente imperceptíveis, sentidas como deformantes e como observadas e criticadas por todos (o que não é verdadeiro). Tudo isso leva as pessoas que sofrem do mal a evitar lugares públicos e mesmo sair de casa (isolamento social) e a procurar por tratamentos estéticos de maneira doentia (cirurgias plásticas, tratamentos de rejuvenescimento, uso exagerado de cosméticos, cuidados exagerados com os cabelos, uso de roupas às vezes desconfortáveis, mas que escondam o corpo etc.).
A maioria das pessoas preocupa-se com algum aspecto do seu rosto. Por ordem decrescente, as queixas mais comuns referem-se ao nariz, cabelo, pele, olhos, queixo e lábios. Em geral, elas alegam falta de simetria entre os lados do corpo ou que algo está muito grande ou muito pequeno, ou que está fora de proporção ao resto do corpo.
Algumas pessoas exibem preocupação com o cheiro corporal (mau hálito, odor das axilas ou dos pés) que exalam ou com uma alegada “feiura” geral. As pessoas com transtorno dismórfico corporal normalmente demoram muito em atividades como verificar sua aparência num espelho, apalpar sua pele com os dedos, pentear e ajeitar os cabelos, cuidar de sua pele, comparar-se com os modelos em revistas etc. Outra forma de transtorno dismórfico corporal é a anorexia nervosa em que a pessoa se vê muito mais gorda do que é de fato e não acredita nas pessoas que dizem-lhe o contrário.
O que pode ser feito?
O site AbcMed diz que o tratamento mais adequado para o transtorno dismórfico corporal é uma longa psicoterapia, preferencialmente comportamental e cognitiva, embora esse tratamento seja bastante difícil ou mesmo impossível, pois grande parte dos pacientes enxerga sua obsessão como apenas um excesso de vaidade e não aceita ser doente. No entanto, o transtorno dismórfico corporal é fonte de grande sofrimento e angústia para os pacientes.
O psiquiatra Eduardo Aratangy, do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, salienta que o tratamento para quem apresenta o Transtorno Dismórfico Corporal deve ser realizado em três linhas: o farmacológico, acompanhamento médico e a psicoterapia. “O tratamento psicoterápico mais estudado é o cognitivo comportamental. Nesta terapia, de percepção corporal, o indivíduo aprenderá a lidar melhor com a sua imagem”, destaca. O sofrimento dessas pessoas é algo real. Não é uma escolha, muito menos uma futilidade”, completa Aratangy.
Na parte do tratamento farmacológico são utilizados medicamentos que atuam como inibidores da recaptação da serotonina – os mesmos usados nos transtornos obsessivos compulsivos – conforme o site Nada Frágil. Existem áreas do cérebro que se vem atuadas por esse tipo de medicação, a serotonina tem o objetivo de fazer com que as ideias e pensamentos do indivíduo fique sob controle.
No jornal O tempo a psicóloga Joana Novaes defende que, no âmbito da prevenção, é preciso atuar conjuntamente com a educação. “Desde cedo, é preciso criar contrapontos e questionar os padrões de beleza, na escola e no ambiente familiar, para que as crianças criem consciência. É necessário trabalhar o empoderamento desde os primeiros anos. A medicina não consegue promover esse debate sem ter a mobilização de pais e professores. A partir da formação de uma massa crítica, a gente consegue criar uma frente a essa cultura da beleza”, defende Joana.
Imagens: Nomáscuentosdeprincesas e Pinterest