No último dia 17, comemorou-se em todo o mundo o Dia Internacional de Combate a LGBTfobia. No Facebook, milhares de usuários colocaram a bandeira símbolo do movimento LGBT, criada por Gilbert Baker em 1978, em sua foto do perfil. Além, de ativistas, políticos e artistas terem postado “textão” em suas contas esclarecendo a importância desse dia.
O deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), gay assumido e ativista da causa na Câmara dos Deputados, foi um dos políticos que postou texto, cuja mensagem focou na origem da data e o risco que as conquistas já alcançadas sofrem na Câmara. “Infelizmente, ainda há ataques ao que já conquistamos. Tentam, também, impedir que o casamento igualitário vire, de fato, lei”, afirmou o deputado.
Até 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerava que a homossexualidade era um distúrbio mental. Portanto, fazem apenas 27 anos que o órgão máximo na formulação de políticas públicas para a saúde excluiu a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID).
No Brasil, somente em 04 de Junho de 2010, por meio do Decreto do então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o Dia Nacional de Combate à Homofobia foi oficialmente instituído.
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou por unanimidade o reconhecimento legal da união homoafetiva. Portanto, os casais homossexuais têm os mesmos direitos e deveres que a legislação brasileira já estabelece para os casais heterossexuais.
O deputado Jean Wyllys também lembra essas conquistas em texto publicado em suas redes sociais. “O casamento entre pessoas do mesmo sexo já não é mais um tabu em muitos países - nem mesmo no Brasil! -, e as terapias forçadas e anticientíficas de ‘reversão da homossexualidade’ foram proibidas em diversas partes do mundo”.
Entretanto, desde abril, notícias sobre abusos a homossexuais e a existência de campo de concentração para gays na Chechénia têm espantado o mundo. Na Rússia, Parada do Orgulho Gay é proibida e ativistas dos direitos dos homossexuais foram detidos em uma manifestação em São Petersburgo em maio do ano passado.
Essas notícias assustam e deixam o mundo e os brasileiros em alerta, porém não podemos nos esquecer de que o Brasil é líder em assassinados de LGBTs. Apesar das conquistas, no Brasil, temos pouco a comemorar.
Ativistas brasileiros estimam que 144 transgêneros foram mortos em 2016. Só neste ano, teve alta de 18% dessas mortes até o mês de abril, de acordo com o grupo pelos direitos dos gay mais ativo no Brasil, o Grupo Gay da Bahia (GGB).
De acordo com o último relatório da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trangêneros e Intersexuais (ILGA), o Brasil lidera o ranking de homicídios de LGBTs nas Américas, com 340 mortes por motivação homofóbica em 2016. Já o GGB conta 343 mortes. O grupo brasileiro também afirma que desse número 144 assassinados foram de travestis e transgêneros.
Violência
Os LGBTs sempre estiveram à margem da sociedade. Logo, essa parcela da população sofreu e ainda sofre diversos tipos de violência ao longo da vida. Violência essa que os impedem a estudar, a trabalhar e a serem reconhecidos como cidadãos de direito.
Inicialmente, essas pessoas são reprimidas dentro de casa pelos próprios familiares. O preconceito também vem da comunidade em que vivem, bairro, pelos vizinhos e, claro, as primeiras violências físicas sofridas pelas pessoas LGBTs são dentro da escola.
As violências que os atingem ainda quando crianças podem ser desde xingamentos, empurrões, socos e barreiras no espaço escolar como, por exemplo, proibição de entrar no banheiro. “No ensino fundamental eu fui proibido entrar no banheiro masculino da escola onde estudei por cinco anos. Os meninos da escola falavam que eu não podia entrar no banheiro, porque eles falavam que aquele não era o banheiro certo para mim. Mas, claro, eu não podia também entrar no feminino, logo eu não ia a banheiro nenhum”, afirma Rodrigo Ferreira, dentista de 28 anos.
A discriminação e preconceito é uma das mais doloridas violências que um LGBT sofre, afirma Rodrigo. Mesmo quando o LGBT está bem consigo mesmo, eles se deparam com violência na rua. A Estudante de Psicologia, Juliana Caiado, por exemplo, disse que já foi expulsa várias vezes de bares e restaurantes em Goiânia apenas por estar acompanhada da namorada.
“Eu já fui expulsa de dois bares com minha namorada, um porque a gente estava dando selinho e outro porque a gente estava de mãos dadas”, afirma a estudante. As lésbicas, especificamente, sofrem outra violência vinda de homens que as veem como objeto sexual. Sobre isso, Juliana Caiado disse “já aconteceu algumas vezes de homens abordarem a gente pra falar que queria ‘participar’ [da relação]”.
Natália Muller, estudante de Geografia, é bissexual e assim, como Juliana Caiado também foi expulsa de um bar no Jardim Goiás em Goiânia por estar acompanhada por outra mulher no momento. “A gente foi ‘orientada’ a não nos beijarmos dentro do bar e sim na rua”, afirmou.
Caso Dandara
Em março, os brasileiros conheceram Dandara dos Santos. Na verdade conheceram a atrocidade que sofreu a travesti cearense no dia 15 de fevereiro. Dandara foi xingada, linchada, apedrejada, chutada, recebeu pauladas, foi colocada em um carro de mão e assassinada a tiros na periferia de Fortaleza (CE). O detalhe mais cruel é que todo o crime foi filmado por um dos criminosos e publicado na internet. O vídeo tem duração de 1 minuto e 20 segundos.
Dandara tinha 42 anos. De acordo com familiares e amigos ao jornal cearense “O Povo”, ela se viu mulher aos 18 e nunca mais deixou de vestir o que queria: a blusinha, o short curto, a calcinha. E sempre foi vítima da transfobia (discriminação a travestis, transexuais e transgêneros). “Ele foi muito humilhado nessa vida”, lembrou Francisca Ferreira de Vasconcelos, 75, mãe de Dandara ao jornal.
Dandara foi assassinada por 12 homens, incluindo, menores de idade e moradores do mesmo bairro que a travesti, Bairro Bom Jardim, em Fortaleza. A polícia do estado do Ceara identificou os agressores. Ao menos seis adultos foram indiciados pelo crime de homicídio triplamente qualificado e por corrupção de menores no assassinato da travesti Dandara dos Santos.
Dos 12 acusados pela tortura e morte de Dandara, sete são adultos e cinco são adolescentes. Um dos acusados maior de idade, que filmou as cenas de violência, não deve ser indiciado pelo homicídio de acordo com apuração de O Povo.
De acordo com a Rede Trans Brasil, 11 pessoas transgêneras foram assassinadas apenas no mês de fevereiro, todas mulheres transexuais ou travestis. A morte de Dandara aconteceu apenas três dias após outra travesti, Hérica Izidoro, ter sido agredida durante o pré-carnaval de Fortaleza, em 12 de fevereiro, na avenida José Bastos.
“Por tudo isso, o dia 17 de maio, no Brasil, não há muito que se comemorar e sim refletir em que Brasil queremos viver e, claro, cobrar das autoridades direitos e a criminalização da LGBTfobia”, afirma Rodrigo Ferreira.
Imagens: Reprodução, Gráfico de Folha de São Paulo e foto de Mariana Parente para O Povo.