Inspiradora e histórica, a personagem Olga Benário marca a História do Brasil, do nazismo e da perseguição política. Marca, ainda, a história dos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial.
Talvez você a conheça, ou mal a conheça. Isso porque a história de Olga é pouco difundida no país, a despeito de ser considerada como heroína na sua terra natal, a Alemanha. Comumente, ela é lembrada por ter sido esposa de um certo homem, mas é claro que ela foi muito mais que isso.
Em 1926, um grupo de mil homens da Coluna Prestes percorreu 25 mil quilômetros por todo o Brasil, guerrilhando com a intenção de derrubar o governo vigente, sem sucesso. O líder desse grupo, o capitão Luís Carlos Prestes, foi exilado.
Em 1934, ele vivia com a família em moscou, na Rússia, e se filiou ao Partido Comunista. Seus feitos eram conhecidos no outro lado do mundo, e assim, surgiu a ideia de que ele deveria voltar ao Brasil para realizar uma revolução, levando o socialismo para a América do Sul. E quem o protegeria durante o caminho, garantindo que não fosse pego, e o auxiliria no planejamento disso tudo, seria Olga Benário.
ESPÍRITO COMBATENTE
Olga tinha todas as habilidades para isso. Em 1928, ela havia atuado na libertação e fuga do escritor e também militante Otto Braun, que estava preso e que foi o primeiro namorado dela, com quem fugiu para a Rússia. Desde então, ela vinha ascendendo no partido e se tornando uma figura importante. Conhecia bem a teoria marxista-leninista, falava fluentemente quatro idiomas, atirava bem, cavalgava, pilotava aviões e saltava de paraquedas.
Olga aceitou sem pensar duas vezes, e a viagem foi realizada entre o fim de 1934 e início de 1935, financiada pelo Partido. Usaram documentos falsos e passaram por vários países da Europa, a fim de evitar o perigo de serem descobertos. Passaram também pelos Estados Unidos, Chile, Argentina e finalmente chegaram ao Brasil.
A conspiração contava não apenas com a presença de Olga e Prestes, mas também de outros militantes de diferentes nacionalidades, e cada um desempenhava uma função diferente, inclusive de comunicação direta com seus superiores na Rússia.
Eles receberam o apoio da Aliança Nacional Libertadora (ANL), um grupo político de esquerda, que ganhava evidência na época, e ao qual Prestes se filiou. Prestes também contava com o apoio de militares, e na madrugada do dia 27 de novembro, tinha início a insurreição.
Porém nada saiu como eles esperavam. Apenas o 3º Regimento de Infantaria da Praia Vermelha, na Cidade do Rio de Janeiro, realizou uma revolta, que teve início às 3 horas da manhã e foi contida durante a tarde. Desde o dia anterior, estava declarado estado de sítio em todo o país, e ao fim do dia, centenas de pessoas estavam presas. Estava instaurada uma caça aos comunistas em todo o país.
O governo de Getúlio Vargas já estava investigando a presença de Prestes no Brasil, por meio da figura de Filinto Müller, capitão da polícia no Rio. Os companheiros de Olga e Prestes foram presos aos poucos, e em seus esconderijos, foram sendo encontrados documentos comprometedores.
Na madrugada do dia cinco de março de 1936, o casal foi descoberto. O comandante da operação, José Torres Galvão, teria atirado à queima-roupa em Prestes, se Olga não tivesse entrado na frente, pedindo que não o matasse, pois ele estava desarmado. Os dois foram presos e nunca mais se viram.
PRISÃO E MORTE DE OLGA
Na casa de detenção, Olga esteve junto a diversos presos políticos. Muitos deles eram intelectuais, advogados, médicos, escritores. Uma das companheiras de cela dela foi Nise da Silveira, psiquiatra conhecida por ter lutado pela Reforma Psiquiátrica no Brasil. Em uma das celas masculinas naquele mesmo lugar, estava o escritor Graciliano Ramos.
Enquanto esteve presa, Olga descobriu que estava grávida. Esse fato foi a principal estratégia de seu advogado para impedir que ela fosse deportada de volta para a Alemanha. Pela lei, ela tinha o direito de permanecer no Brasil, pois embora fosse estrangeira, a criança que ela esperava era brasileira.
Além disso, não havia acusações formais contra Olga. O nome dela sequer era conhecido enquanto os líderes da revolta eram investigados e não havia nenhum pedido das autoridades alemãs para que ela voltasse ao seu país. Inclusive, os crimes que ela havia cometido anos antes já haviam prescrito.
Mesmo assim, ela foi deportada quando a gravidez contava em torno de sete meses, o que ia contra as Leis Internacionais de Navegação, devido ao estado frágil. Ela temia pela própria vida, mas sobretudo pela vida que estava gerando.
O nazismo dominava a Alemanha, e por ser não apenas comunista, mas também judia, ela sabia que ao voltar, estaria condenada a uma morte cruel.
Na Alemanha, ela foi presa na Barnimstrasse, um presídio feminino comandado pela Gestapo. Embora fosse mal alimentada e estivesse exposta a condições degradantes, ela deu à luz uma menina saudável, que chamou de Anita Leocádia. O nome era uma homenagem a duas mulheres: Anita Garibaldi, heroína da revolução farroupilha no Brasil, e Dona Leocádia Prestes, mãe de Luís Carlos Prestes.
Não era incomum as presidiárias terem filhos durante o encarceramento e as regras do presídio determinavam que aos seis meses de idade, ou quando a mãe não tivesse mais leite, os bebês seriam levados a orfanatos. Era isso que Olga mais temia: que sua filha fosse morta em um orfanato nazista.
Quando Anita tinha três meses de vida, Dona Leocádia soube que tinha uma neta. Ela e as irmãs de Prestes ainda viviam em exílio, e iniciaram uma campanha pela guarda de Anita. Ela e Olga trocavam cartas, que demoravam para chegar e que sofriam censuras. Mesmo assim, Olga tinha esperança.
Quando Dona Leocádia finalmente conseguiu o direito de buscar a neta na prisão, em janeiro de 1938, não teve permissão para ver Olga. E nem Olga foi avisada de que a avó de sua filha estava lá. Ela achou que Anita seria levada para o orfanato, e quando carcereiras chegaram à sua cela, lutou de todas as formas que podia, mas teve sua filha levada à força.
Durante os próximos meses, Olga acreditou que Anita estava morta, e só depois de muito tempo, ao receber uma carta de Dona Leocádia, soube que a filha estava viva, em segurança, e com a família.
Naquele ano, a perseguição aos judeus já ocorria na Alemanha. Olga foi levada para o campo de concentração de Lichtenburg, próximo a Berlim, onde permaneceu por um ano. Depois foi transferida para o Campo de Concentração Ravensbrück, ao Norte.
Em fevereiro de 1942, quando tinha 34 anos, Olga Benário foi levada ao campo de extermínio de Bernburg, onde foi morta na câmara de gás, junto com mais 199 prisioneiras.
No domingo, 23 de abril, a morte de Olga Benário completou 75 anos. O jornalista brasileiro Fernando Morais publicou, em 1982, uma biografia dela, baseada em extensa pesquisa documental e nos depoimentos de pessoas que conheceram Olga, incluindo Prestes.
VIDA TRANSFORMADA EM ARTE
A história de Olga foi adaptada para o cinema em 2004, no filme Olga, dirigido por Jayme Monjardim, em que Olga é interpretada pela atriz Camila Morgado. O filme, porém, foi criticado, por romantizar a história de Olga e dar muito destaque ao relacionamento dela com Prestes, em detrimento do caráter político da vida dela.
É lamentável que uma mulher de tamanha importância seja tão pouco lembrada no Brasil, e que sua vida seja pouco conhecida. Recomendo que procure pelo livro para saber mais, Olga não pode ser esquecida.
Imagens: Acervo Globo, Memorial da Democracia e Museum