“...e pela minha lei, a gente era obrigado a ser feliz”, cantavam Chico Buarque e Nara Leão na canção João e Maria. Apenas troque o “ser feliz” pelo “ser terceirizado”, pois é essa a proposta do Projeto de Lei nº 4302 de 1998.
O projeto de lei que aguarda aprovação de Michel Temer ficou obscurecido por quase duas décadas, quando foi apresentado ao então presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, mas foi retirado dos porões do legislativo no inverno do ano passado, quando Dilma Rousseff foi afastada da presidência da República.
O texto, aprovado pela Câmara dos Deputados na última quarta-feira (22), agora segue para a aprovação do executivo. O assunto da terceirização é polêmico porque contrasta interesses do grande empresariado com a defesa de direitos para todos os trabalhadores.
A terceirização corresponde ao procedimento que uma organização realiza para disponibilizar a outra empresa, a chamada empresa terceirizante, a realização de atividades que não sejam de sua especificidade, as chamadas atividades-fim.
Por exemplo, em uma escola, os responsáveis pela principal atividade são os professores, logo são eles que desempenham as atividades-fim desse tipo de organização. Todos os outros tipos de ocupações, como limpeza e manutenção, ou o cumprimento de rotinas administrativas, correspondem às funções que podem ser terceirizadas, as chamadas atividades-meio.
A grande diferença do projeto votado pelos deputados sobre a jurisprudência, isto é, sobre o entendimento jurídico do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a terceirização, é que a partir da sanção da lei, as atividades-fim também serão terceirizadas.
Desde que assumiu o poder sem uma eleição, a gestão do Governo Federal tem abraçado os interesses dos grandes empresários, em detrimento da luta protagonizada pela classe trabalhadora. Para os grandes empresários, a ampliação da possibilidade de se terceirizar os serviços, representa a diminuição nos custos e a maximização em lucros. Já para o trabalhador, consiste na submissão a uma realidade injusta de superexploração, já que o terceirizado pode não ser amparado em plenitude pelos direitos que constam na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Além disso, um levantamento lançado em 2015, realizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), mostrou que o salário de um trabalhador terceirizado é 30% menor quando comparado à remuneração de contratados diretos.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho Germano de Siqueira chegou a afirmar durante a semana que com a substituição dos postos de trabalho diretos pelos terceirizados, os salários serão diminuídos em uma média de 25 a 30%. Hoje, o país conta com 12 milhões de trabalhadores terceirizados e 35 milhões de diretamente contratados.
Ainda segundo o levantamento da CUT e do Dieese, a cada 10 acidentes de trabalho no Brasil, oito acontecem com funcionários terceirizados. Ainda se constatou que os índices de morte em ambientes ocupacionais eram semelhantes quanto aos terceirizados.
Por exemplo, no setor elétrico foram registradas 79 mortes em 2011, sendo que 80% das vítimas correspondiam a trabalhadores contratados por terceirização. Não é à toa que diante da medida temerosa que o governo e aliados tentam impor à sociedade, o senador pelo PT, Paulo Paim, tenha afirmado que o trabalhador terceirizado se encontra em um estado de escravidão.
Temerosa também foi a ação do presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, do democratas, filhote antigo arena, partido de situação durante o regime militar, ao prometer às centrais sindicais no último dia 13 que suspenderia a votação do texto em ao menos 30 dias para que a proposta fosse melhor pensada.
Como resposta à atitude impopular do líder de uma casa legislativa, que deveria representar os interesses do povo, inclusive dos trabalhadores, diversos sindicatos já estão discutindo a possibilidade de realizar uma greve geral no próximo mês, e uma mobilização nacional na próxima sexta-feira, dia 31.
A iniciativa parte de gente simples, humilde, trabalhadora e que luta por uma sociedade em que os desejos dos trabalhadores prevaleçam sobre as intenções exploradoras dos grandes burgueses. Uma sociedade de indivíduos, e não apenas números criados para produzir outros números, as cifras que vão para o capital de investimento e para o bolso do grande patronato.
Como cantou Milton Nascimento, “é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre”, e é com base nas vozes dos artistas, e também dos trabalhadores, estudantes e do grande povo que ousa lutar e vencer, como dizia Carlos Lamarca, que os sonhos dos velhos e dos jovens se materializam em mais justiça e igualdade social, na conquista de direitos, e no respeito às diferenças.