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Força e militância de Pagu

Símbolo de luta, resistência, tempos de glória e tempos de decepção e uma percepção a frente de seu tempo. Patricia Rehder Galvão, mais conhecida como Pagu, foi poeta, diretora de teatro, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista e militante da política brasileira. Recebeu o apelido pelo poeta Raul Bopp, que se enganou pensando que seu nome era Patrícia Goulart, ao fazer uma brincadeira com as iniciais de seu nome.

Nascida em São João da Boa Vista em 09 de julho de 1910, Pagu mudou-se para a capital em 1912, aos 2 anos e faleceu aos 52 anos em decorrência de um câncer. A doença a entristecia pesarosamente, de modo que ela tentou suicídio. Sobre o episódio, Patrícia escreveu no panfleto “verdade e liberdade”: “uma bala ficou para trás, entre gazes e lembranças estraçalhadas”.

Diferente das moças de sua época, Pagu usava blusas transparentes, fumava na rua e dizia palavrões. Aos 15 anos, passou a colaborar no Bras Jornal, assinando Patsy. Com 18 anos integra o movimento antropofágico e nele conhece Oswaldo de Andrade, com quem se casa anos mais tarde e dá luz ao filho, Rudá de Andrade. Junto ao esposo inicia na vida política, tornando-se militante do partido comunista.

Jovem, bonita e burguesa, Patricia Galvão não necessitava de lutar pelos direitos da sua classe que era a mais favorecida, porém resolveu lutar por aquilo que acreditava. Aos 20 anos incendiou o bairro do Cambuci em protesto contra o governo provisório, comandou uma greve de estivadores em Santos, e foi presa pela primeira vez, das 23 que ainda iriam ocorrer, tornando-se a primeira mulher presa no Brasil por motivos políticos.

Em 1933 publica o romance parque industrial, assinada pelo pseudônimo de Mara Lobo, considerado o primeiro romance proletário brasileiro. O texto retratava a vida social da classe operária e usou narrativa modernista ao retratar a interação de personagens de classe operária e outros de classe média alta. Neste mesmo ano ela inicia sua carreira como repórter, deixando no Brasil o marido e seu filho.

Em 1935 filiou-se ao Partido Comunista na França, onde estudou na Sorbonne em Paris. Lá foi presa como comunista estrangeira, com identidade falsa e seria deportada para a Alemanha nazista, no entanto, o embaixador brasileiro, Souza Dantas conseguiu mandá-la de volta ao Brasil. Na chegada separou-se definitivamente de Oswald e então retomou a atividade jornalística, mas o passado não a deixou retornar tranquilamente, e novamente foi presa e torturada pelas forças da ditadura, ficando na cadeia por cinco anos.

Decepcionada com o comunismo, ao sair da cadeia, Pagu se desliga do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e adere ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). Além disso, incorpora a redação do jornal “A vanguarda socialista” iniciando em 1946 a sua colaboração regular no suplemento literário do Diário De São Paulo. Em 1945 Patrícia casa-se com Geraldo Ferraz, jornalista da “A tribuna de Santos”, cidade na qual passaram a viver, e nasce seu segundo filho, Geraldo Galvão Ferraz.

Pagu tentou, sem sucesso, uma vaga de deputada estadual nas eleições de 1950. Em 1952 frequentou a Escola de Arte Dramática de São Paulo, levando seus espetáculos à Santos. É conhecida como grande animadora cultural e dedica-se em especial ao teatro, particularmente no incentivo a grupos amadores. Ela ainda escreveu contos policiais, sob o pseudônimo King Shelter, publicados originalmente na revista Detective, dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues.

Em 2004 a catadora de papel Selma Morgana Sarti, em Santos, encontrou no lixo uma grande quantidade de fotos e documentos da escritora e do jornalista Geraldo Ferraz, seu último companheiro. Estes fazem parte hoje do arquivo da Unicamp.

Correspondentes de vários jornais, Pagu visitou os Estados Unidos, Japao e China. Entrevistou Sigmund Freud e assistiu a coroação de Pu-Yi, o ultimo imperador chinês. Foi por intermédio dele que Pagu conseguiu sementes de soja, enviadas ao brasil e introduzidas na economia agrícola brasileira.

Acometida por um câncer, Pagu morre em 12 de dezembro de 1962, em decorrência da doença. Na véspera de sua morte, um último texto seu é publicado, o poema “Nothing”. Lá podemos ver a despedida da jornalista. O trecho extraído do site www.pagu.com.br diz “o fim é a libertação do homem desde as suas bases de pao e de abrigo, de amor e de sonho, de aspiração e criação, até que se transformem as relações de semelhante a semelhante, e se estabeleça em toda a plenitude a dignidade de uma paz e de uma solidariedade contrimente vividas”.



Nothing


Nada nada nada Nada mais do que nada Porque vocês querem que exista apenas o nada Pois existe o só nada Um pára-brisa partido uma perna quebrada O nada Fisionomias massacradas Tipóias em meus amigos Portas arrombadas Abertas para o nada Um choro de criança Uma lágrima de mulher à-toa Que quer dizer nada Um quarto meio escuro Com um abajur quebrado Meninas que dançavam Que conversavam Nada Um copo de conhaque Um teatro Um precipício Talvez o precipício queira dizer nada Uma carteirinha de travel’s check Uma partida for two nada Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava Um cão rosnava na minha estrada Um papagaio falava coisas tão engraçadas Pastorinhas entraram em meu caminho Num samba morenamente cadenciado Abri o meu abraço aos amigos de sempre Poetas compareceram Alguns escritores Gente de teatro Birutas no aeroporto E nada.



Publicado n’A Tribuna, Santos/SP, em 23/09/1962

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