Quando se trata de exemplos femininos, muitos vêm à cabeça, mas no meio de tantas personalidades femininas que fizeram a diferença na sociedade brasileira, uma quase nunca é lembrada. Aposto que você já ouviu falar da Chica da Silva, uma personagem de sucesso por todo o Brasil que exala sensualidade e poder sobre os homens, mas essa é só a Xica personagem.
Francisca da Silva era mulata e filha de um branco português com uma negra africana. Nasceu em 1.732 no Arraial do Tijuco, atual Cidade de Diamantina, e herdou de sua mãe a condição de escrava. Recebeu esse nome por ser um nome muito comum entre as escravas. Era uma Chica dentre muitas outras.
Francisca servia ao médico português Manuel Pires Sardinha, com quem, ainda jovem, teve o primeiro filho. Dois meses depois de ser comprada pelo contratador de diamantes, João Fernandes de Oliveira, ela ganhou sua alforria. Foi com ele que Chica viveu 17 anos de sua vida e teve 13 filhos.
O retrato do cinema sobre quem foi essa mulher passa longe da realidade. Chica é mostrada como uma mulher devassa, hiperssexualisada e devoradora de homens; é dessa Xica personagem que vem o estereótipo da mulata sensual brasileira. Tudo o que é retratado pela televisão sobre quem foi essa Chica da Silva é um mito, funde realidade com ficção e confunde a cabeça de quem vê. A Xica da novela é trazida como símbolo sexual, uma escrava manipuladora que colocou vários homens aos seus pés usando o poder do seu corpo. Já a real Francisca da Silva teve dois amantes em toda sua vida, não havendo registros de outros homens depois de sua separação com João Fernandes em 1.770.
A Chica de verdade foi uma mulher que se preocupava em manter a ordem de casa e da família. O seu poder não era o corpo, como diz a cultura popular. Seu maior aliado era o dinheiro que seu marido possuía. Foi uma mãe muito preocupada com a educação e o futuro dos filhos. Quando seu marido foi forçado a voltar para Portugal, levou com ele os quatro filhos homens e deixou para Chica suas nove filhas e dinheiro suficiente para que pudessem manter o padrão de vida.
Objetivo da mulata era fazer parte da sociedade como as senhoras brancas faziam. E ela cumpriu as regras à risca, forçando-se a passar por um processo de “branquização” para ter uma posição social de respeito. Como toda senhora rica, Chica da Silva comprou escravos para trabalhar em sua casa, pagou os dotes e conseguiu bons casamentos para as filhas com jovens ricos portugueses. Também foi com gordas doações às igrejas que conseguiu fazer parte de quatro irmandades religiosas, sendo duas delas restritas a brancos.
Diferente da imagem construída pela cultura popular, Chica não fez colonos de coitados, não foi perversa, manipuladora e muito menos uma sedutora de homens. Chica foi, como muitas outras “Chicas” da época, vítima de uma sociedade baseada em preconceitos. Seus filhos tiveram, muitas vezes, que esconder sua ascendência escrava, para conseguirem boas posições sociais. A própria Francisca se viu forçada a se “branquizar” para poder ser tida como igual.
Francisca forçou a sociedade da época aceitá-la, já que sua condição financeira a credenciava a participar dos ambientes da riqueza. Dessa forma, ela representou um rompimento com estereótipos, preconceitos e a discriminação contra o negro e o escravo. Por conta disso, Xica se torna personagem importante da cultura brasileira, tendo sido representada no teatro, na literatura, no cinema e em novelas.
Chica morreu em 1.796 e foi enterrada no cemitério da Igreja São Francisco de Assis, local onde eram enterrados apenas brancos e ricos. Ainda hoje vemos por aí várias “Chicas”, mulheres de todo o tipo que sofrem preconceito diariamente, mulheres que só querem respeito, mas são vítimas de uma sociedade sem escrúpulos, mulheres que só querem ser donas do seu próprio espaço, mulheres que são forçadas a se adaptar ao padrão da sociedade para serem aceitas. São muitas Chicas. Chicas que não abaixam a cabeça. Chicas que seguem em frente e mostram que podem sim ser alguém. Chicas que são fortes.