Se você for uma pessoa ambiversiva igual a mim, ou seja, introvertida e extrovertida ao mesmo tempo, você provavelmente vai se identificar com Persépolis. Quando a gente é criança, sonhamos com muitas coisas. Somos questionados desde essa época sobre qual profissão iremos exercer na idade adulta. Todavia, é nessa fase de nossas vidas que nos é permitido sonhar mais alto e realmente dar asas à nossa imaginação. No dia 22 de setembro de 1969, nasceu no Irã a romancista gráfica, ilustradora e escritora infanto-juvenil Marjane Satrapi. Se você ainda não ouviu falar nela, fique tranquila, vocês serão íntimas a partir de agora. Basta seguir o meu conselho amigo e ouvir a seguinte história.
Marjane cresceu na cidade de Teerã e sua família era envolvida com os movimentos socialista e comunista no Irã, antes da Revolução Iraniana. A partir daí, cheia de imaginação e pureza, a pequena Satrapi conseguia dar aulas de história melhor que qualquer um. E foi com essa bagagem toda que Marjane escreveu a primeira história em quadrinhos iraniana. E adivinha sobre o que é essa HQ? Isso mesmo, sobre o que ela conhece melhor: ela mesma.
No ano 2000, ela escreveu a primeira banda desenhada de todo o Irã, sobre sua própria vida. Não é pra qualquer um, né? Especialmente para uma mulher vivendo em um patriarcado. Persépolis é uma obra autobiográfica dessa autora franco-iraniana. Nela, Marjane conta sua vida desde sua infância até a fase adulta, a partir de uma perspectiva extremamente envolvente, divertida e cheia de críticas sociais. Você pode perceber isso muito bem no fato de que ela já achou que Marx fosse Deus, além de que um de seus passatempos favoritos era ver que a avó gostava de colocar flores no sutiã para deixar os peitos perfumados.
O título é uma referência à antiga capital do Império Persa, Persépolis. A história se inicia com Marjane aos seus dez anos de idade em sua cidade natal. Ela não entendia porque que as mulheres tinham que usar véu no Irã, e detestou quando o regime separou as garotas dos garotos nas escolas. As reflexões que ela faz durante sua infância são de um olhar realmente infantil: ao contrário do que o preconceito de algumas pessoas julga, as crianças são muito inteligentes. E uma das aprendizagens que Persépolis deixa com seus leitores é justamente essa. Não ouse subestimar as crianças, nunca! A Marjane de dez anos já era uma ótima observadora, não deixava nada passar batido, e questionava tudo com muita propriedade.
Justamente por causa dessa essência questionadora de Marjane que ela foi mandada para o exílio na Áustria, quando ela tinha apenas 14 anos. Ela assistiu à derrubada do Xá, o monarca detentor do poder político ditatorial da época. Satrapi não conseguia conter a sua indignação e raiva pelo tamanho da violência na guerra do Irã-Iraque, nem com o endurecimento do regime. Com medo de que ela sofresse ainda mais com isso, seus pais não tiveram outra escolha a não ser enviá-la para o exílio.
Foi aí que nossa protagonista conseguiu nacionalidade francesa. Ela permaneceu em Viena durante o seu Ensino Médio, morando na casa de amigos, em pensionatos e repúblicas estudantis. Só que a partir de certo ponto as coisas começaram a se desalinhar. Depois de se envolver em brigas com sua colega de dormitório que não era nada legal, Marjane ficou em situação de rua. Após um ataque quase mortal de pneumonia nas ruas, em decorrência das graves condições de vida, ela saiu do exílio e retornou ao Irã.
Mas agora chega de contar a história, se não vou começar a te dar spoilers demais. Mas saiba que é um livro que foi escrito com a intenção de chegar apenas às mãos dos amigos de Marjane, o que dá um toque especialmente pessoal e mais mágico ainda a esse romance. Depois de voltar pro Irã e se formar em belas-artes, a autora se instalou na França como ilustradora e escritora e o mundo agradece por ela ter feito essa escolha.
Persépolis foi escrito em Francês, só que devido ao enorme sucesso que fez, tanto de crítica quanto de público, os direitos de publicação dessa HQ foram comprados em mais de 20 países e ela ganhou o prêmio de Melhor História de Quadrinhos do Mundo, na feira de Frankfurt em 2004. E não para por aí, pois Persépolis ganhou uma versão cinematográfica que a própria Marjane Satrapi dirigiu e escreveu. O filme estreou no Festival de Cannes de 2007, onde recebeu o prêmio do júri.
Marjane dedicou esse prêmio a todos os iranianos. Além disso, foi um longa premiado no circuito mundial, chegou a ser o escolhido pelo governo iraniano para representar o país no Oscar de 2008, e foi indicado como melhor filme de animação. Mas, infelizmente, perdeu para o seu concorrente nessa disputa, o longa da Disney, Ratatouille.
Persépolis é uma produção tocante, feita com esmero. Marjane era bem tímida, e com pessoas tímidas é sempre assim: suas narrativas são muito bem pensadas (às vezes, até demais) e cheias de sentimentos. Por mais que a realidade de Marjane não seja a mesma que a sua, é impossível você não se identificar ao menos um pouco com o jeito muito humano, simpático e deveras desajeitado dela.
A narrativa da HQ de Marjane foi produzida a partir do olhar de uma escritora de livros infanto-juvenis, e ela consegue encantar públicos de todas as idades. Persépolis é, além de tudo, a sensibilidade e a empatia das pessoas em meio a regimes totalitários, guerras e violência. E antes que eu me esqueça... o livro é tão gostoso de ler que você adentra em uma guerra e um cenário político social caótico e nem sente o impacto. A habilidade de Marjane para escrever direcionada ao público infantil – ou seja, um público inteligente porém cheio de pureza no coração – faz com que ela produza duras críticas sem perder a leveza e a compaixão. Espero ter te convencido a adentrar o mundo mágico e espetacular de Persépolis.