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Mulher, negra e precursora da literatura afro-brasileira

Pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada, sem o trato e conversação dos homens ilustrados”. Essa frase é uma declaração de Maria Firmina dos Reis, no prólogo do romance Úrsula, escrito por ela. Não reconheceu o nome? Não é por acaso. Diversos escritores não alcançam reconhecimento enquanto vivos e, o que é pior, muitos bons escritores acabam caindo no esquecimento com o passar do tempo. Foi mais ou menos isso que aconteceu com Maria Firmina dos Reis. Mas agora você vai conhecer um pouco sobre ela.

Maria Firmina dos Reis é uma das mais importantes escritoras negras brasileiras, e também uma das primeiras mulheres brasileiras escritoras. Além disso, foi uma importante educadora, e uma representante da autonomia feminina, de acordo com o que era possível na sua época. Ela nasceu em 1825, na cidade de São Luís, no Maranhão. Tendo nascido fora do casamento, ela teve apenas o sobrenome da mãe, e foi criada por uma tia com boas condições financeiras. Foi assim que Maria Firmina pôde ter uma boa educação, o que era raro para as mulheres naquele tempo.

Com apenas 22 anos, ela quis se dedicar ao magistério. Foi aprovada em 1947 para a cadeira de instrução primária, depois de ter feito uma espécie de concurso público, atuou como professora até 1881. Após a aposentadoria, ela fundou a primeira escola mista e gratuita no Estado. Antigamente, existiam colégios para meninos e para meninas, mas Maria Firmina não concordava com isso. Porém a escola causou muito escândalo e acabou sendo fechada em menos de três anos de funcionamento.

A obra mais famosa desta escritora é o romance Úrsula, no qual ela quis mostrar a condição dos negros escravizados no Brasil e denunciar a crueldade do regime escravocrata. O trecho a seguir é parte do livro:


Meteram-me a mim e a mais 300 companheiros de infortúnio no estreiro e infecto porão de um navio. 30 dias de cruéis sofrimentos de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão, fomos amarrados em pé, e, para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como animais ferozes das nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da Europa”.

Maria Firmina publicou sua grande obra se identificando apenas como “uma maranhense”. No passado, muitas escritoras que hoje são consagradas também ocultaram seus verdadeiros nomes. A inglesa Jane Austen, por exemplo, assinava com a expressão By a Lady. Isso porque mulheres não eram bem aceitas na produção literária e intelectual, mas para Maria Firmina, o risco era maior, pois além de mulher, ela era negra.

Úrsula é o primeiro romance abolicionista brasileiro, mas infelizmente, nem todos os historiadores e estudiosos da área da literatura dão esse reconhecimento à obra. Apesar de todas as barreiras que a sociedade impunha, Maria Firmina não se calava, ela participava ativamente da imprensa local, colaborando em jornais literários. Assim, publicou várias poesias e crônicas.

Com o conto “A escrava”, de 1877, ela reafirmou sua posição abolicionista. Também é de sua autoria o “Hino à liberdade dos escravos”, escrito e composto após a abolição da escravatura. Outras composições musicais também são atribuídas à ela.Mas se você não conhecia Maria Firmina dos Reis até hoje, pode estar se perguntando: Por que ela não ficou conhecida como outros escritores da mesma época? Por que o livro Úrsula não se tornou um clássico?

Infelizmente, o esquecimento acaba sendo o destino de muitos artistas, personagens históricos ou mesmo pessoas comuns que de alguma forma colaboram para a sociedade. Maria Firmina dos Reis é pouco conhecida como parte da literatura brasileira. Suas obras, embora estejam em domínio público, são muito difíceis de se encontrar. O próprio site Domínio Público do Governo Federal, que é uma biblioteca digital gratuita, contém estudos sobre o livro Úrsula, mas não contém o livro em si.

Maria Firmina dos Reis faleceu em 1917, na cidade de Guimarães, no interior do estado do Maranhão. Apesar de ter tido o apoio de uma tia abastada, ela viveu uma vida difícil e cheia de privações. É uma pena que uma autora como ela não possa ser lida. Afinal, o que seria de um escritor sem leitores? E Maria Firmina foi uma educadora, escritora e intelectual negra, que escreveu sobre a população negra no período do Brasil império e viu o fim da escravidão. O que nos resta fazer é tentar resgatar a memória de pessoas como ela e batalhar para que no futuro esse esquecimento seja corrigido.

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