Essa foi uma semana cheia de acontecimentos e muitos deles trazem grande pesar a todos e retomam aquele velho sentimento de descrença na humanidade e no futuro que nossa sociedade tem tomado. Hoje, vivemos em uma era em que a informação percorre com facilidade. Isso tornou mais comum em nosso cotidiano notícias em que a intolerância é a principal causa de muitas tragédias.
Um exemplo foi o que aconteceu na tarde do dia 15 de novembro, após uma discussão, o engenheiro Alexandre José da Silva Neto matou o filho Guilherme Silva Neto a tiros em uma rua do Setor Aeroporto em Goiânia.
Segundo a Delegacia de Investigação de Homicídios, a causa da morte teria sido motivada porque o jovem sairia de casa para participar das manifestações estudantis que aconteceriam naquele dia em resposta a reintegração de posse dos prédios ocupados por estudantes na Universidade Federal de Goiás.
As notícias divulgadas sobre o assunto evidenciam a personalidade revolucionária do jovem, engajado em movimentos sociais e estudantis, ele se declarava anarquista, levantava bandeiras que expressam sua ideologia e, acima de tudo, era capaz de lutar por aquilo que acreditava. Toda a situação desencadeou um grande movimento nas redes sociais. Uma das postagens da página no facebook “Rebele-se Goiás” com mais de três mil compartilhamentos, expressa a tristeza dos administradores ao lamentarem que o discurso de ódio tenha atingido amplos setores da sociedade e que cause vítima dentre os que lutam por uma sociedade mais justa.
A comoção por parte dos estudantes e simpatizantes ao movimento foi grande. “Guilherme Irish Presente” tornou-se praticamente uma palavra de ordem para expressar a revolta e o sentimento de luto. Por outro lado, os sites que divulgaram a noticia também foram tomados por alguns comentários que apoiavam a atitude do pai.
O assunto não deve ser tratado única e exclusivamente como um ato de violência doméstica. Há um contexto político e social por trás, o fato de no dia 15, Alexandre ter puxado o gatilho de uma arma e matado o filho de 20 anos, traz consigo um contexto mais abrangente. Essa atitude extrema evidencia um perigo recorrente na sociedade atual causado pela intolerância.
A intolerância é o ato de depreciar uma pessoa por causas de suas orientações políticas, religiosas, sexuais. Estamos diante dela constantemente em discursos de ódio, demonstrações racistas, homofóbicas entre outras.
Albert Einsten escreveu que “as leis, por si mesmas, não conseguem assegurar liberdade de expressão; para que cada homem exponha seus pontos de vista sem sofrer penalidade deve haver espírito de tolerância em toda a população”.
No caso de Guilherme, se pararmos para analisar, foi a intolerância ou falta de diálogo e empatia que gerou toda a tragédia, entretanto outro fator contribuiu também para este fim, um relacionamento abusivo.
Com a ascensão de temáticas feministas ouvimos muito falar sobre esse tipo de relação em que, geralmente, o homem trata a mulher como subordinada a ele tentando reprimir sua própria personalidade. Hoje, conseguimos identificar um relacionamento abusivo muito mais facilmente, por isso não podemos ignorar que Guilherme foi mais uma de suas vítimas. Tanto falamos de relacionamentos abusivos entre homem e mulher que nos esquecemos que ele existe em outras formações sociais. Nas famílias, ele pode estar mascarado como proteção, cuidado, zelo, mas não pode ser ignorado.
O cerne de tudo é achar que uma pessoa é propriedade da outra, mesmo pais que criam e educam seus filhos por toda uma vida não são donos dos mesmos. No momento em que Alexandre matou seu filho por não compactuar com as mesmas lutas, temos a evidencia de uma relação abusiva entre pai e filho.
Nunca saberemos o que se passava na cabeça do pai ao perseguir seu filho pelas ruas do Setor Aeroporto com uma arma na mão tentando furtar do mesmo o direito de expressar sua revolta, mas sabemos que, independente dos motivos pessoais que Alexandre acreditava ser movido, temos esses fatores que existem na sociedade e ficam maiores sempre que compactuamos ou nos calamos diante deles, intolerância e relacionamentos abusivos.
Isso tudo sem contar o discurso construído pela mídia hegemônica para criminalizar movimentos estudantis. Na maioria dos casos, vivemos absorvendo a informação tratada pela ideologia de determinados meios de comunicação e começamos a tomar isso como se fosse verdade absoluta, tanto que pautamos pensamentos e ações em virtude do que nos é transmitido.
Mas, e se Alexandre conversasse com Guilherme buscando uma outra perspectiva sobre tais movimentos? E se sua relação fosse cercada sim, de zelo, mas de respeito à opinião um do outro? E se tudo fosse socialmente diferente? E se discurso de ódio não existisse?
Eu não conhecia Guilherme, como provavelmente a muitos de vocês ouvintes, o som de seu nome só desperta na memória o rosto divulgado junto das notícias sobre o assassinato, temos responsabilidade em tudo isso, pois, somos nós os responsáveis por mudar o status quo que gerou tal fato. Se intolerância, discurso de ódio, relacionamentos abusivos são características da sociedade em que vivemos, logo nós, como cidadãos, temos de tomar partido diante disso, discutindo, debatendo e acima de tudo buscando soluções não violentas que visem corrigir aquilo que não está certo.
É algo a se pensar, lutas que devemos tomar, para que Guilherme não seja mais uma estatística das mortes causadas por intolerância. Nada justifica a morte de alguém pelas mãos de outra pessoa, se isso ocorre, é porque há algo disforme.
Termino o noutras palavras convidando cada ouvinte a refletir sobre o caso muito além do factual e, para ajudar, vamos ouvir agora a música escrita por Zé Keti em repúdio às mortes causadas pela ditadura. “Acender as velas” interpretada por Nara Leão apesar de ter sido gravada na década de 60, ainda parece bastante atual. Guilherme Irish, presente!