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Machismo latino faz mais vítimas que o câncer e a malária

Durante essa semana, novamente, nos deparamos com mais um caso brutal de feminicídio. A argentina Lucía Pérez, de 16 anos, foi drogada, estuprada e empalada no balneário de Mar Del Plata. O crime chocou o nosso país vizinho, especialmente por ter ocorrido logo após uma manifestação de mulheres contra a violência na cidade de Rosário. Na Argentina, mais de 200 mulheres são assassinadas a cada ano, a maioria das vezes por seus ex ou atuais parceiros. Em todo o país, são dezenas de agressões a cada dia, um assassinato a cada 30 horas e quatro menores órfãos de mãe por semana. Esses são dados não oficiais, elaborados pela ONG “Casa do Encontro” a partir da leitura diária de 120 jornais e agências de notícias, já que o governo argentino não possui um registro oficial de vítimas. O caso de Lucía Pérez não é o primeiro a provocar comoção na Argentina. Antes dela, outros quatro crimes indignaram o país, tendo ambos em comum o fato de terem acontecido com meninas novas, ainda crianças ou adolescentes. O primeiro foi a de Chiara Páez, de apenas 14 anos. Em maio de 2015, a polícia a encontrou enterrada no quintal da casa dos avós de seu namorado, que depois assumiu a autoria do crime e foi preso. Ela estava grávida e de acordo com a autópsia, a garota foi espancada até a morte e seu corpo tinha vestígios de uma droga abortiva. Melina Romero, de 17 anos, foi vista pela última vez no dia de seu aniversário, em 23 de setembro de 2014. Depois de um mês de busca, seu corpo foi encontrado dentro de um saco de lixo jogado na margem de um córrego na periferia de Buenos Aires. Morta por asfixia, Melina foi espancada e abusada sexualmente antes de der assassinada.

Daiana García, de 19 anos, saiu para uma entrevista de emprego e nunca mais voltou. No dia seguinte, ela foi localizada seminua num saco de lixo, ao lado de uma estrada, morta também por asfixia, seu suposto assassino suicidou-se atirando nos trilhos de um trem. Micaela Ortega, de 12 anos, desapareceu no dia 23 de abril deste ano de sua casa em Bahía Blanca, no sul da Argentina. Após cinco semanas de busca, seu corpo foi descoberto em um descampado fora da cidade morta estrangulada com uma camiseta e golpeada na cabeça, mas sem sinais de abuso, Micaela conheceu seu assassino pela internet. Ele a enganou pelo facebook, onde se passava por uma menina de sua idade e fazia o mesmo com outras garotas. Casos como esse, em que o agressor tira a própria vida, não são contabilizados pelo registro nacional de feminicídios da Corte Suprema pela falta de alguém para ser indiciado. Foi essa reincidência que fez com que as mulheres argentinas se unirem e mobilizarem contra a violência de gênero que são submetidas todos os dias. A primeira manifestação ocorreu em três de junho de 2015 e se tornou a mais numerosa da história do país contra a violência machista.

A mobilização aconteceu com a campanha #NiUnaMenos, impulsionada por um coletivo de jornalistas e escritoras. A iniciativa ganhou força com o uso do twitter e do facebook e com a aderência de personalidades públicas. Além do evento de três de junho, que ocorreu em frente ao Congresso, concentrações semelhantes foram feitas em outras 40 localidades da argentina e até em países vizinhos, como no Chile e no Uruguai. As reivindicações do movimento começam pela lei argentina contra a violência machista que existe, mas não é aplicada, não foi adiante e nem recebeu dotação ornamentaria. Outra questão é a formação dos policiais, promotores e juízes que atendem esses casos, a existência de estatísticas oficiais e, mais importante, uma mudança cultural, que deve ser iniciada e trabalhada nas escolas. Mais de um ano depois, a manifestação trouxe novas iniciativas para a proteção às vítimas, mas não fez com que a violência de gênero diminuísse. De acordo com a presidente do Conselho Nacional da Mulher na Argentina, Fabiana Túñez há 25 novos refúgios para mulheres maltratadas sendo construídos, que se somarão aos 94 já existentes no país. Outra mudança foi o acompanhamento das denúncias de violência feitas pelo telefone, que foi intensificado. Também será implementado o sistema de tornozeleiras eletrônicas para condenados com comportamentos violentos, que receberam ordens para se afastar de suas vítimas. Com a morte de Lucía, outra manifestação foi realizada. Diversas hashtags além do #NiUnaMenos vêm sendo utilizadas nas redes sociais, como a #vivanosqueremos e #miércolesnegro. Milhares de mulheres, vestidas de preto, pararam por uma hora e marcharam do obelisco até a praça de maio, epicentro dos protestos sociais na Argentina. O protesto teve grande participação sobretudo nos prédios públicos, ministérios, transportes e também em colégios. Mesmo com os números alarmantes e manifestações grandiosas, a maioria das reclamações de um ano atrás persistem, mas a discussão sobre violência de gênero se faz mais presente do que nunca não só na Argentina como também em outros países da América Latina, onde o machismo ainda se encontra muito enraizado. O governo de Maurício Macri acredita que seu plano de choque, uma série de medidas propostas por ele para modernizar o estado, mostrará resultados. Solidário ao protesto, o presidente vê na educação o lugar ideal para se iniciar as mudanças contra a violência de gênero. Entretanto, ironicamente e como exposto pela sua oposição, foi seu plano que eliminou a unidade especializada em feminicídios do Ministério Público argentino.

Uma de cada três mulheres sofre abusos na América Latina e a violência de gênero causa mais vítimas no continente que o câncer, a malária, os acidentes de trânsito ou conflitos armados, de acordo com a Associação Panamericana de Saúde. Ainda existe um longo caminho a se percorrer para que vejamos mudanças nesses índices e para isso, é necessário que haja mais participação feminina na política e que os governos ouçam as reivindicações das mulheres. Com mais atenção para essa discussão, mais debates acerca do tema podem ser realizados em todas as esferas do nosso cotidiano e assim, mais conscientizada estará a população. Só assim pode se alcançar uma mudança na cultura machista presente no nosso continente.

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