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Feridas raciais do povo negro e norteamericano

Não foram só as eleições municipais que dominaram os assuntos mais comentados da semana. Na última segunda-feira, Zianna Oliphant, uma menina de nove anos, chamou a atenção com seu discurso em uma Assembleia na cidade de Charlotte, no Estado americano da Carolina do Norte.

Sua intervenção ocorreu após um caloroso debate, no qual os moradores da cidade pediram a renúncia da prefeita Jennifer Roberts e o chefe local da polícia, Kerr Putney. A reunião foi convocada para tentar acalmar os ânimos em Charlotte, palco de violentos protestos depois da morte de um homem negro, Keith Lamont Scott, por um policial negro na semana passada.

Emocionada, a garota começou seu discurso dizendo, “nós somos pessoas negras e não deveríamos sentir esse tipo de coisa. Não deveríamos ter que protestar porque vocês estão nos tratando mal, estamos fazendo isso porque deveríamos ter direito”.

O discurso, que viralizou nas redes sociais, só reacende o debate em torno da tensão racial nos Estados Unidos, bem como o da violência policial e do porte de armas. Casos e mais casos aparecem e integram o ciclo que estourou há dois anos com a morte de um jovem negro por disparos da polícia em Ferguson, um subúrbio de Saint Louis, no Missouri.

Protestos vêm sendo realizados desde então em várias partes do país. De acordo com o jornal Washington Post, desde o início desse ano, setecentos e duas pessoas morreram por tiros da polícia nos Estados Unidos. Desse número, 172 eram negros, o que proporcionalmente, em relação à parcela da população negra no país, é um número maior do que a porcentagem da população branca vítima da mesma violência.

O incidente em Ferguson desencadeou uma série de consequências. Uma investigação federal revelou um padrão racista na polícia local e a Casa Branca lançou um plano de melhora das práticas e estatísticas policiais, além de reduzir a entrega de material militar às corporações locais.

Personalidades negras de destaque no país já se pronunciaram sobre a recente tensão racial.O jogador de futebol americano, Colin Kaepernick, tem despertado polêmica por protestar contra a violência policial se recusando a levantar durante a execução do hino americano antes dos jogos. A cantora Beyoncé não só se pronunciou nas redes sociais quanto ao assunto, mas fez críticas no seu mais recente trabalho. O último álbum da cantora, chamado Lemonade, tem como carro chefe a canção Formation, que conta com uma letra e videoclipe com empoderamento negro e críticas à violência policial.

Beyoncé se apresentou com a canção no intervalo do Superbowl, jogo do campeonato da principal liga de futebol americano e um dos programas com maior audiência no país. A apresentação fez referência ao movimento anti-racista panteras negras, que surgiu nos Estados Unidos na década de 60 com o objetivo de proteger os cidadãos negros da violência da polícia em Oakland, na Califórnia. Por conta disso, a cantora sofreu duras críticas de uma parcela da população americana. Com o fim do mandato de Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, e a reabertura dessas feridas raciais, é preocupante pensar no rumo que o país pode tomar quanto à essa questão. A chegada de Obama à Casa Branca simboliza um avanço enorme para os negros americanos, mas ainda se tem um longo caminho a seguir. Um dos candidatos à presidência do país nas eleições desse ano, o empresário Donald Trump, é conhecido por seus comentários racistas e xenofóbicos. Grupos preocupantes, como de neonazistas, antigos líderes da Ku Klux Klan e ativistas da extrema direita estão entre seus simpatizantes. Em seus comícios, também já criticou publicamente o movimento Black Lives Matter.

O movimento Black Lives Matter surgiu logo após o assassinato de Michael Brown na cidade de Ferguson, nos Estados Unidos. Ele não tem um líder, mas reúne cerca de 50 associações, e é alvo de questionamentos sobre sua capacidade de transformar a energia das ruas em políticas e mudanças concretas no país.

O Black Lives Matter debateu durante um ano para chegar a uma pauta de reivindicações coesa. Sem apoiar nenhum dos candidatos à presidência, Hillary Clinton e Donald Trump, o movimento planeja em um primeiro momento usar as pautas em campanhas locais por mudanças no policiamento e pela implementação de políticas comunitárias pelo país.

Entre os pontos importantes da pauta do movimento, o Black Lives Matter pede o fim da guerra contra ao povo negro, bem como também reparações por danos causados do colonialismo à escravidão. Eles também pedem mais investimento nas comunidades negras, que a justiça econômica seja atingida, mais democracia na política e nos serviços públicos e poder político independente e autodeterminação negra em todas as áreas da sociedade. A tensão racial sempre foi existente e sensível nos Estados Unidos, mesmo após o fim da segregação racial e do movimento liderado nos anos 60 por Martin Luther King. Ainda há um longo caminho para que ela diminua e isso só será possível ouvindo as reivindicações da população negra e trabalhando para as transformarem em mudanças concretas e eficazes no país.

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