Você já teve aquela sensação amarga de que o destino está brincando com você? E de que independente do que faça ou do quanto se esforce, nada está ao seu favor e tudo dá errado? É, meus amigos, não é fácil manter a dignidade quando todos ao seu redor estão se dando bem e você, que tanto lutou, não recebe o reconhecimento que merece.
Essa é a triste história de Antônio Ricci, um pai de família amoroso e honrado que sobreviveu os horrores da Segunda Guerra Mundial e agora luta para sustentar a sua família que passa por grandes dificuldades. Após meses de frustração e miséria, Antônio, finalmente consegue arranjar um emprego de colador de cartazes. A única exigência é que ele tenha a disposição, uma bicicleta para percorrer as ruas de Roma.
Bravamente, sua mulher empenhora os poucos lençóis que a família possui para reaver a bicicleta também penhorada. A esperança de Antônio é comovente, “tudo vai dar certo a partir de agora”. Mas esse não é um filme de Hollywood, o final feliz perfeito não existe na vida real, esse é um filme italiano e a realidade dura, dói no espectador, assim como dói em Antônio que vai sentir na pele, a injustiça do mundo.
Logo no seu primeiro dia de trabalho, Antônio tem a sua bicicleta roubada. O desespero é grande, pois a alegria, a fome, a fé, tudo esta em jogo e depende dessa bicicleta. Ignorado pelos policiais, Antônio Ricci decide percorrer junto ao seu filho Bruno, de apenas sete anos, uma empreitada em busca de seu tesouro. Ao longo do filme, vemos as ruas italianas devastadas pela pobreza. Assistimos os homens caminhando em busca de emprego, a falta de jovens na cidade, que tinham morrido durante a guerra. O grande número de crianças pedindo esmolas, o abismo social que deixa muitos sem nada e poucos com muito
Uma cena em particular derrete o coração de qualquer pai: o menino Bruno está cansado, andou o dia todo e sente fome. Na pizzaria em frente, uma família gulosa e rica devora pizzas que poderiam sustentar várias pessoas.
Antônio gasta o dinheiro que não tem e que não pode, mas compra um pedaço de pizza para o filho que ainda não é capaz de compreender a tragédia que assaltou sua família. Nessa situação triste, qual o sentimento que nos invade? Primeiro o desespero, depois a fé de que podemos contornar o problema, decepção, raiva, e por último descrença completa?
Antônio chega a tal ponto da loucura que ele próprio quase rouba, também, uma bicicleta, essa seria a justiça feita com as próprias mãos - tomar de volta o que foi tomado, bater de frente com o destino e reaver o que o seu por direito. Mas sabemos, não é assim que a vida funciona. Antônio sente na carne, a dor de sua própria tragédia. Ele deve aceitar a derrota e voltar a luta outra vez, acreditando que na próxima tentativa, a vida será um pouco menos amarga e quem sabe, mais justa.
Esse é o comovente filme, “Ladrões De Bicicleta”, do aclamado diretor Vittorio de Sica. Um clássico do movimento neorrealista do cinema italiano que inspirou toda uma geração de jovens cineastas e mudou para sempre, o que conhecemos sobre filmes.
Roberto Rosseline, outro expoente do neorrealismo explicou que o filme neorrealista conta a história do mundo. Não há afinidade com o supérfluo, mas a atração para a concretude. O cinema estava mal acostumado com a indústria hollywoodiana onde tudo acabava com um final feliz e o espectador podia sonhar com uma felicidade inventada.
Contudo. a Itália estava longe de um cenário alegre e seria quase um desrespeito mostrar nas telas, essa realidade falsa. Foi assim que nasceu o neorrealismo italiano, os grandes cineastas não estavam preocupados em fornecer um sorriso ou uma lágrima fácil, mas em denunciar a mais pura e brutal realidade do cotidiano.
Mais do que agradar o público, Vittorio de Sica, consegue fazer com que questionemos os nossos princípios morais e éticos, como: até onde podemos ir pela necessidade, pelo desespero, por amor a família?
Em uma frase emocionante, o personagem Antônio, de resume a história da vida para seu filho que ainda é inexperiente. Antônio diz: você vive e você sofre. A dor é a consequência da vida e não há como fugir dela. O que temos que fazer, além de suportar, é ir em frente e continuar lutando.
Ladrões de Bicicleta foi indicado ao Oscar de melhor roteiro. Como no ano de seu lançamento, 1948, ainda não existia a categoria de filme estrangeiro. Por isso, no ano seguinte, Vittoria de Sica recebeu o Oscar Honorário por essa jóia da história do cinema.
Filmado com um baixo orçamento, a película preto e branco mostra através da falta de cores, a melancolia e a tristeza de uma realidade cinza, de uma Itália que acabava de sair de uma das maiores calamidades que o ser humano é capaz, a guerra.
Todos os atores do filme eram amadores, a atuação convincente e impressionante, talvez seja resultado dessa veracidade das experiências. O ator colocou em cena o que sentia na vida real. E você? Já ouviu ou assistiu esse clássico do cinema moderno? Convido você a se emocionar conosco, porque mesmo depois de 68 anos, Ladrões de Bicicleta continua sendo um filme atual, crítico e inspirador.