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Agressão física, moral e cultural

O primeiro dia de julho começou com uma triste notícia publicada pela manhã no blog de Ancelmo Gois, no site do jornal O Globo. A nota divulgou o relato de violência doméstica sofrida pela atriz e ex-modelo brasileira Luiza Brunet. A notícia foi divulgada ontem, mas a agressão ocorreu no dia 21 de maio deste ano, no apartamento em que Luiza morava com o ex-companheiro, Lírio Albino Parisotto, em Nova Iorque.

Segundo o blog de notícias, a agressão começou em um restaurante, durante um jantar com amigos. Lírio se exaltou ao ser questionado se iria com Luiza a uma exposição de fotos. Na ocasião ele havia afirmado que não iria, para não ser confundido com o ex-marido de Luiza. Quando os dois voltaram para casa, ele a agrediu com socos e chutes. Luiza foi imobilizada com violência, por seu então companheiro e acabou quebrando quatro de suas costelas. A atriz só conseguiu se soltar quando ameaçou pedir socorro. No dia seguinte, ela voltou ao Brasil, e prestou queixa no Ministério Público. Luiza chegou a fazer um exame de corpo de delito, no Instituto Médico Legal, mas não registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil.

Novas informações sobre o caso foram divulgadas ao longo do final de semana. Desde a agressão, Brunet está separada do ex-companheiro, e ele está proibido de se aproximar dela, e vai responder na Justiça Do Estado De São Paulo, por violência contra mulher. Assim que a notícia foi divulgada, o caso passou a ser muito comentado nas redes sociais. Diversos artistas e personalidades brasileiras manifestaram apoio a Luiza Brunet. Eles a parabenizavam pela coragem da denúncia, e transmitiam carinho para a artista. Em outras ocasiões, Luiza Brunet já usou as redes sociais para se manifestar sobre a violência contra a mulher, e incentivar vítimas desse tipo de crime a denunciar as agressões ou abusos.

Esses acontecimentos são uma oportunidade para falarmos de um tema ainda negligenciado na sociedade: a violência contra a mulher. Essa agressão que não acontece apenas em forma de agressão física, mas que se manifesta diariamente e quase sempre é ignorada. No Brasil, a misoginia, isto é, o ódio contra mulheres, gera diversas situações em que a violência contra a mulher é perpetuada e até mesmo incentivada. São pensamentos e atitudes presentes no cotidiano demonstram de forma sutil ou explícita que naturalizam essa violência. O que contribui para que não percebamos ou não façamos nada a respeito.

É comum mulheres viverem relacionamentos abusivos, sem sequer saberem que estão sendo agredidas. Neste tipo de relação o sofrimento está mais presente que a alegria, e isso está relacionado ao companheiro, namorado ou marido que tende a controlar a vida da mulher em todos os aspectos. Censuras sobre a roupa que ela escolheu vestir, exigência das senhas de redes sociais, interferência na relação com outras pessoas, como amigos e familiares, e sobretudo, constantes ameaças, ofensas e críticas que fazem com que a autoestima da vítima seja prejudicada, além de outras coisas, são formas de violência.

Contudo, algumas agressões são mais fáceis de serem percebidas. São aquelas que costumam causar revolta e comoção: o abuso sexual, o estupro, a agressão e o feminicídio, isto é, o assassinato de mulheres causado por desigualdade de gênero.

E não podemos nos esquecer da violência obstétrica: quando a mulher gestante ou parturiente sofre negligência por parte de médicos ou enfermeiros, quando é submetida a constrangimentos ou a procedimentos médicos com os quais ela não tenha consentido.

































O grande problema é que a sociedade ignora a gravidade da questão e não percebe esses comportamentos como violência. Há quem acredite que um homem pode desrespeitar uma mulher por causa da forma que ela se veste, dos lugares que frequenta ou de relacionamentos anteriores que ela teve. Ou que o namorado, marido ou companheiro tem o direito de impedir que a mulher saia de casa.

Esses são pensamentos equivocados, e demonstram que os homens precisam ser reeducados para respeitarem as mulheres em qualquer espaço que elas ocupem. A questão é ainda mais grave do que pensamos. Isso porque, recentemente, uma adolescente sofreu um estupro coletivo no Rio de Janeiro. Nos dias que se seguiram, diversas histórias sobre ela começaram a ser divulgadas na internet, com acusações e julgamentos sobre sua reputação.

Pessoas que compartilhavam tais discursos pareciam acreditar que a violência sofrida por ela tinha justificativa, o que não é verdade. Não existe justificativa para violência sexual, nem para quaisquer violências mencionadas anteriormente. A vítima nunca é culpada pela agressão sofrida. Quando falamos de violência física contra a mulher, acontecem coisas parecidas. Procura-se culpar a vítima e tirar a responsabilidade do agressor. Assim, muitas pessoas afirmam que a mulher agredida “deve ter feito alguma coisa para merecer isso”.

E em casos de violência doméstica, quando a mulher não realiza a denúncia formal contra o agressor, o julgamento é ainda mais cruel. Afirma-se que “ela gosta de apanhar”. Mas essas pessoas ignoram a realidade sobre grande parte das mulheres brasileiras vítimas de violência doméstica. Muitas não podem sair de casa, pois dependem financeiramente do marido ou companheiro. Muitas não têm para onde ir. Muitas temem fazer a denúncia e não serem protegidas de imediato, podendo sofrer agressões ainda piores. Isso nos leva a refletir sobre a ineficiência do atendimento às mulheres vítimas de agressão. Ao realizar denúncias de agressão física ou sexual, mulheres são tratadas com insensibilidade nas delegacias e não é raro a denúncia não surtir o efeito esperado, uma vez que já é de praxe as autoridades responsáveis duvidarem do relato da vítima, especialmente, quando se trata de uma mulher.

Em casos de estupro, a realidade é pior: desde o ano passado, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de Lei 5069, de 2015, que pretende dificultar o atendimento médico para mulheres vítimas de estupro. A vítima precisará, caso o projeto de lei seja aceito, fazer um boletim de ocorrência antes de ir ao hospital. Essa burocracia aumenta a exposição a riscos de gravidez indesejada ou doenças sexualmente transmissíveis. Até mesmo quando um caso de abuso tem grande visibilidade, a vítima é tratada com ainda mais violência. A repórter do IG que foi assediada pelo funkeiro Biel durante uma entrevista, foi demitida alguns dias depois de denunciar o cantor, mesmo após o veículo de comunicação em que trabalhava ter prometido que iria protegê-la.

Esse é apenas um caso que recentemente teve notoriedade no país, mas existem muito mais vítimas anônimas, cujos nomes e rostos não são conhecidos, e para quem não existem manifestações de apoio e carinho. Estima-se que a cada dois minutos, cinco mulheres são espancadas no Brasil, e que a cada onze minutos, ocorre um estupro, e mais, que a cada noventa minutos acontece um feminicídio.

Esses números são mais do que suficientes para provar que notícias sobre violência contra a mulher não são casos isolados, pelo contrário: são manifestações diárias de ódio e brutalidade e muitas vezes acontecem com a conivência da sociedade, que prefere julgar ou apenas ignorar.

A equipe do programa Matéria Prima repudia qualquer espécie de abuso, agressão ou ameaça praticada contra mulheres, e repudia também qualquer espécie de condenação praticada contra mulheres vítimas desses crimes. Transmitimos o nosso apoio a todas essas mulheres, sejam elas jovens ou maduras, pobres, de classe média ou ricas, famosas ou pessoas comuns, desejamos que tenham força, e acima de tudo, coragem.

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